São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2011

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ANÁLISE

Regime busca sobrevida e saída honrosa para Mubarak

MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM

O regime egípcio tem a seu favor três fatores para diluir a nitroglicerina da revolução e tentar reduzi-la a uma revolta sob controle: as concessões graduais, o comportamento do Exército e o caráter acéfalo do movimento pró-democracia.
A principal reivindicação dos manifestantes que ocuparam a praça Tahrir, a renúncia imediata do ditador Hosni Mubarak, não foi lembrada entre as propostas feitas ontem pelo vice-presidente, Omar Suleiman.
Sintomaticamente, na parede da sala em que o vice-presidente manteve o inédito diálogo com a oposição estava o retrato de Mubarak. Como se para lembrá-los de que o ditador egípcio deu um passo para o lado, mas não saiu de cena.
O fato de a insurgência não ter liderança definida embaralhou a defesa do regime, habituado a dar botes certeiros nas cabeças oposicionistas. Ao mesmo tempo, representa uma fragilidade no momento de negociar.
Mesmo sem a renúncia imediata de Mubarak, porém, é impossível desprezar a extraordinária conquista dos manifestantes até aqui. Ao forçar o ditador a abrir mão de mais um mandato presidencial (o sexto), obtiveram algo quase inimaginável há apenas duas semanas.
Pode parecer pouco, mas tem a dimensão de um terremoto político num país em que a oposição esteve amordaçada por 30 anos e todo o poder ficou concentrado em um homem, o mesmo que agora é obrigado a sair sem deixar herdeiro.
O anúncio poderia ter esvaziado os protestos já no dia seguinte, creem analistas, não fosse a estúpida decisão de enviar vândalos pró-Mubarak, alguns em camelos e cavalos, para intimidar os manifestantes na sangrenta quarta-feira da semana passada.
A violência, supostamente ordenada por um político próximo do ditador egípcio, endureceu de vez o movimento.
Embora criticado por não ter impedido o avanço dos vândalos, o Exército teve um papel moderador que o credencia a conduzir a transição. Para Mubarak, trata-se agora de buscar uma saída honrosa, com o apoio dos militares. E o valor da honra jamais pode ser desprezado, sobretudo no mundo árabe.
Talvez Mubarak sonhasse com um fim semelhante ao de outro ditador egípcio, o carismático Gamal Abdel Nasser, que arrastou milhões de adoradores pelas ruas do Cairo ao morrer de infarto, em 1970, mesmo tendo conduzido o país a sua pior derrota militar, três anos antes.
Mubarak sabe bem como as saídas honrosas podem ser algo relativo no mundo árabe. "Ninguém jamais esquecerá a forma como Saddam foi executado", refletiu ele em 2007, pouco após a morte na forca do ditador iraquiano. "Transformam ele num mártir".


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