São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA / BIOGRAFIA

Obama tem sete meio-irmãos na África

Em história que une continentes, pai do pré-candidato democrata teve filhos antes e depois do casamento com mãe dele

O senador e a meia-irmã africana se viram pela primeira vez nos anos 80, depois que o americano enviou carta ao Quênia

ROGER COHEN
DO "NEW YORK TIMES", EM NYANGOMA-KOGELO, QUÊNIA

Juntar o quebra-cabeça da família de Barack Obama é como fazer o mesmo com o quebra-cabeça do mundo. Ao final de uma rua de terra vermelha em Nyangoma-Kogelo, no Quênia, encontramos Auma Obama, a meia-irmã mais velha do senador, sentada à sombra de mangueiras.
Atrás dela, está a lápide do pai deles: "Barack Hussein Obama, nascido em 1936, morto em 1982". Ele é o mistério. "Começamos a nos corresponder quando meu pai morreu", me diz Auma, nascida um ano antes de seu irmão famoso. "A letra de Barack é exatamente igual a de meu pai. Ele escreveu para mim nas folhas de papel almaço grandes e amarelas que os americanos usam e que meu pai também usava."
As palavras dele lançaram uma ponte entre universos, interligando irmãos que não se conheciam. A mãe de Auma, a queniana Grace Kezia, que hoje vive no Reino Unido, estava grávida quando Obama pai a deixou, em 1959, para estudar no Havaí. Ali, ele conheceu a americana Ann Dunham, de Wichita, Kansas, e em 1961, nasceu o filho deles, o atual pré-candidato democrata.
Auma ficou no Quênia com um irmão mais velho. Mais tarde, em meados dos anos 1960, depois de Obama pai retornar ao Quênia com diplomas da Universidade do Havaí e de Harvard, Grace teve dois outros filhos com ele. Três outros meninos, também meio-irmãos do senador Obama, nasceram de duas outras mulheres antes de Obama pai morrer num acidente automobilístico em Nairóbi.
Os pais do senador Obama morreram jovens: seu pai aos 46, sua mãe aos 52. Não surpreende que, como descreveu em seu primeiro livro, "Dreams From My Father" (Sonhos herdados de meu pai), ele tenha partido em busca de um passado. E Auma foi o caminho para encontrá-lo.
Ela estudou lingüística em Heidelberg, Alemanha, viveu muitos anos no Reino Unido e tem uma filha britânica de 10 anos de idade, Akinyi. Mas o Quênia é o seu lar. "Minha família atravessa todos os continentes", ela observa. Partindo desse ponto, os Obama se projetaram para fora.
Acho convincente o argumento de Auma: que seu irmão é uma "figura unificadora" que representa "a transformação que as pessoas querem ver acontecer no mundo"; um homem de pai "preto como breu" e mãe "branca como leite", como escreveu Obama, cuja exposição a vários continentes lhe proporcionou uma compreensão de um mundo em que convivem divisão e miscigenação.
Auma me conta que, antes de encontrar Obama pela primeira vez, em Chicago, nos anos 1980, ficou preocupada. "Eu não tinha certeza de que iria funcionar. Nós nos dávamos bem ao telefone, mas, quando sua expectativa é tão especial, você pode se decepcionar."
Então ela foi adiando o encontro. Auma foi visitar uma amiga alemã, Elke, em Carbondale, no sul de Illinois, e depois viajou sete horas num ônibus da Greyhound para encontrar seu irmão. Se não desse certo, pensou, poderia retornar. Mas, ela me conta, "foi fácil, muito fácil -como poder soltar a respiração, finalmente".
Dela, finalmente, veio a chave do mistério: as histórias sobre "o velho", o pai que morreu cedo demais -seus problemas políticos por ser membro do grupo étnico luo, seu alcoolismo, suas mulheres, sua carreira que avançou aos trancos e barrancos, seu desaparecimento angustiante. Eram informações que o senador democrata vinha procurando.
Um fato estranho é que Obama descreve seu primeiro encontro com Auma como tendo ocorrido no aeroporto de Chicago, e não no terminal rodoviário da Greyhound, como ela conta. "Cheguei ao estacionamento do aeroporto às 15h15 e corri para o terminal", escreve Obama em "Dreams". "Ofegante, descrevi várias voltas de 360 graus." Então ele viu "uma mulher africana emergindo do portão da alfândega".
Esse parece ser um dos casos de "lapsos de memória" pelos quais Obama pede desculpas na introdução do livro. Mas o desculpo; a coragem com a qual ele partiu em busca de memórias dolorosas é singular. "Pode-se confiar em Obama para se manter em diálogo com o mundo", afirma Auma.


Tradução de CLARA ALLAIN


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