São Paulo, domingo, 07 de março de 2010

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Iraquianos vão às urnas em eleição crucial

Pleito de hoje, ameaçado por perspectiva de ataques como um que matou 4 pessoas ontem, ditará rumos da reconciliação nacional

Em jogo na eleição também estão os planos de retirada americana até o fim do ano que vem e a disputa por influência entre Irã e sauditas

Khalid Mohammed - 5.mar.10/Associated Press
Prédio alvejado por ação da Al Qaeda em 2006 ostenta propaganda eleitoral, em Ramadi; insurgentes tentam minar eleições de hoje

SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ

Os iraquianos vão às urnas hoje para uma eleição parlamentar cujo resultado ditará os rumos da reconciliação nacional em andamento e definirá o papel do país em um Oriente Médio cada vez mais tenso.
O governo montou uma operação de guerra para dar segurança aos eleitores, abertamente ameaçados de morte pela facção iraquiana da rede terrorista sunita Al Qaeda. Uma onda de ataques nos últimos dias deixou cerca de 50 mortos. Ontem, quatro peregrinos morreram num atentado no santuário xiita de Najaf.
Uma carnificina durante o pleito selaria o fracasso das autoridades em prover segurança e pavimentaria o caminho para o adiamento da retirada americana, prevista para ser encerrada em 2011, mas com a saída da maior parte dos soldados prometida para agosto deste ano. Nem o Iraque nem os EUA querem postergar a saída das tropas, que ambos os lados fizeram questão de deixar de fora do esquema de segurança para a eleição legislativa.
Já uma eleição sem sustos confirmaria uma tendência de redução de violência iniciada em 2007. Embora ainda haja ataques, bons resultados foram obtidos graças ao aumento das tropas americanas (manobra já revertida) e à cooptação de milicianos sunitas que combatiam os EUA.
Também teve papel crucial na queda da violência a reconfiguração das forças de segurança iraquianas. Depois de expulsar quem havia ocupado cargos importantes na era Saddam (1979-2003), polícia, Exército e serviços secretos recrutaram, treinaram e armaram contingentes hoje responsáveis pelo que acontece nas ruas do país.
Foram agentes secretos iraquianos que prenderam ontem um dos principais ideólogos da insurgência pró-Al Qaeda na Província de Diyalia.

Maliki
O mentor da estratégia de segurança é o premiê e candidato à reeleição Nuri al Maliki, o que confere ao pleito de hoje um tom plebiscitário -resultados são esperados em dias, mas conversas para formar uma coalizão podem levar meses.
Maliki chegou ao poder, em meio a um amplo ceticismo, por ser o único nome de compromisso na galáxia de siglas e facções que disputaram a eleição de 2005. Um modesto parlamentar do partido xiita Dawa, ele não vem de família tradicional, nunca havia ocupado grandes cargos e é tido como apático e sem carisma.
Embora seja um religioso devoto, o premiê sempre evitou ostentar suas credenciais xiitas. Maliki inclusive reprimiu com o mesmo vigor as insurgências xiita e sunita.
Houve críticas contra seu silêncio em relação a uma decisão da Justiça eleitoral que baniu cerca de 500 candidatos vinculados ao regime de Saddam. Maliki reagiu anunciando a reintegração de 200 mil agentes que haviam sido expulsos das forças de segurança por supostos vínculos com Saddam.
Até os críticos admitem que a retórica de Maliki pela unidade nacional ecoou de forma favorável para muitos iraquianos, fazendo dele o virtual favorito -os resultados das pesquisas encomendadas pelo governo são mantidos em sigilo.
Prova disso é a vitória obtida por aliados de Maliki nas eleições provinciais do ano passado, que transcorreram sem grandes incidentes. Em outro sinal de que o premiê captou anseios da população, também se nota uma mudança na configuração da política nacional, onde são cada vez mais comuns alianças de siglas e listas multifacções. O maior adversário de Maliki nas eleições de hoje é Iyad Allawi, ex-premiê xiita que tem o apoio de influentes sunitas.

Influência externa
Nas conversas de rua em Bagdá, é frequente ouvir gente se dizendo farta das divisões sectárias alimentadas tanto por Saddam como por políticos iraquianos nos primeiros anos da ocupação americana.
Embora não haja nenhuma voz abertamente contrária à reconciliação nacional, há sinais de interferência externa em favor de dois rivais geopolíticos suspeitos de alimentar tensões sectárias: o xiita Irã e a sunita Arábia Saudita.
O candidato xiita Ahmed Chalabi, que chegou a ser o favorito dos EUA para comandar Bagdá após a ocupação, hoje é íntimo de Teerã. Já Allawi esteve recentemente em Riad. Ambos são acusados de ser títeres dos poderosos vizinhos. Segundo analistas, iranianos e sauditas usam dinheiro e influência para garantir que Bagdá seja governada por um líder aliado.
A perspectiva de um Iraque pró-Teerã assusta sauditas e americanos e dificulta até planos de um bombardeio às centrais nucleares iranianas -um ataque seria quase impossível sem o uso do espaço aéreo iraquiano. E Teerã teme uma Bagdá aliada das inimigas monarquias petroleiras do Golfo.


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