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Vácuo de governo na Nigéria ameaça já frágil estabilidade
Desde o ano passado, nação mais populosa da África não sabe quem está no poder
País enfrenta a pobreza de até 100 milhões de pessoas, movimento separatista ao sul e um fundamentalismo islâmico crescente ao norte
FÁBIO ZANINI
DE JOHANNESBURGO
Com 100 milhões de pobres,
um violento movimento separatista e um nascente fundamentalismo islâmico, a Nigéria
há duas semanas tem mais um
problema, desta vez inusitado:
não se sabe quem está no comando da turbulenta nação, a
maior da África.
Umaru Yar'Adua, 58, é o presidente de direito. Mas não é
visto em público há três meses,
porque está doente -alguns nigerianos acreditam que ele esteja morto.
Seu vice, Goodluck Jonathan, 52, é desde o mês passado
o presidente de fato, nomeado
pelo Senado após a longa ausência do titular, que se tratava
na Arábia Saudita.
Yar'Adua, no entanto, não se
licenciou do cargo. Fez mais:
retornou à Nigéria tão logo Jonathan assumiu as rédeas do
Estado.
Seria apenas uma disputa
pessoal por poder se não envolvesse componentes perigosos.
Yar'Adua é do norte islâmico, e
seu vice, do sul cristão. Duas comunidades que se batem pelo
controle político do país desde
a independência em 1960, frequentemente deixando centenas de mortes pelo caminho.
"Está claro que o presidente
não pode governar, mas não renuncia porque é refém de interesses de políticos do norte.
Preferem um presidente doente do norte a um líder efetivo do
sul", afirma Gilbert Khadiagala,
consultor da ONU e do Banco
Mundial e professor da Wits
University, na África do Sul.
Como pairam dúvidas sobre
o processo que levou Jonathan
ao topo, também há dúvidas sobre a validade de seus atos. "O
que acontece na Nigéria tem
repercussões em todo o continente e, numa escala crescente,
no mundo todo", afirma Khadiagala.
São duas as razões para isso.
A primeira é o petróleo. A Nigéria produz 2,1 milhões de barris
por dia e só não extrai muito
mais por causa de instabilidade
na região produtora, no delta
do rio Níger.
Um dos únicos feitos de Yar'Adua durante sua Presidência
foi fechar um acordo com rebeldes que pedem uma maior
fatia dos recursos petrolíferos.
Em troca do desarmamento,
prometeu investir em infraestrutura, criar empregos e oferecer anistia.
Mesmo antes de sua doença,
o principal grupo armado, o
Movimento pela Emancipação
do Delta do Níger, já dava sinais
de impaciência com o cumprimento da promessa.
"O governo tem no máximo
alguns meses para implementar o processo. Os garotos que
aceitaram deixar os pântanos e
depor suas armas querem algo
em troca. Você não pode esperar que eles fiquem sentados
esperando uma definição", afirma Elizabeth Donnely, ligada à
Chatham House, centro de estudos britânico.
Segundo Donnely, Yar'Adua
era visto pelos rebeldes como o
maior fiador do processo. Jonathan, mesmo sendo originário
da região do delta do Níger, ainda precisa provar seu compromisso com o acordo.
Fundamentalismo
A segunda razão para a Nigéria influenciar a África e o mundo é sua recente "promoção" a
nova fronteira da guerra contra
o terrorismo. No final do ano
passado, um nigeriano com ligações com a Al Qaeda por pouco não explodiu um avião que
rumava para os EUA.
"Desde o início dos anos 90
existem redes radicais islâmicas no norte da Nigéria que
operavam de maneira independente da Al Qaeda. A sensação
de vácuo de autoridade abre
uma oportunidade para que se
integrem à rede mundial", declara Khadiagala.
O mais provável, diz, é que
haja um acordo de procedimento entre Jonathan e os chefes políticos ligados a Yar"Adua.
Ele ficaria no cargo até 2011,
quando haverá novas eleições,
desistindo de concorrer ao cargo -"devolvendo" o poder a um
nortista, portanto.
Em troca, poderia governar,
desde que o faça de maneira
modesta. Em outras palavras,
um governo frágil seria a solução para a fragilidade institucional da Nigéria.
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