São Paulo, domingo, 07 de março de 2010

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Vácuo de governo na Nigéria ameaça já frágil estabilidade

Desde o ano passado, nação mais populosa da África não sabe quem está no poder

País enfrenta a pobreza de até 100 milhões de pessoas, movimento separatista ao sul e um fundamentalismo islâmico crescente ao norte

FÁBIO ZANINI
DE JOHANNESBURGO

Com 100 milhões de pobres, um violento movimento separatista e um nascente fundamentalismo islâmico, a Nigéria há duas semanas tem mais um problema, desta vez inusitado: não se sabe quem está no comando da turbulenta nação, a maior da África.
Umaru Yar'Adua, 58, é o presidente de direito. Mas não é visto em público há três meses, porque está doente -alguns nigerianos acreditam que ele esteja morto.
Seu vice, Goodluck Jonathan, 52, é desde o mês passado o presidente de fato, nomeado pelo Senado após a longa ausência do titular, que se tratava na Arábia Saudita.
Yar'Adua, no entanto, não se licenciou do cargo. Fez mais: retornou à Nigéria tão logo Jonathan assumiu as rédeas do Estado.
Seria apenas uma disputa pessoal por poder se não envolvesse componentes perigosos. Yar'Adua é do norte islâmico, e seu vice, do sul cristão. Duas comunidades que se batem pelo controle político do país desde a independência em 1960, frequentemente deixando centenas de mortes pelo caminho.
"Está claro que o presidente não pode governar, mas não renuncia porque é refém de interesses de políticos do norte. Preferem um presidente doente do norte a um líder efetivo do sul", afirma Gilbert Khadiagala, consultor da ONU e do Banco Mundial e professor da Wits University, na África do Sul.
Como pairam dúvidas sobre o processo que levou Jonathan ao topo, também há dúvidas sobre a validade de seus atos. "O que acontece na Nigéria tem repercussões em todo o continente e, numa escala crescente, no mundo todo", afirma Khadiagala.
São duas as razões para isso. A primeira é o petróleo. A Nigéria produz 2,1 milhões de barris por dia e só não extrai muito mais por causa de instabilidade na região produtora, no delta do rio Níger.
Um dos únicos feitos de Yar'Adua durante sua Presidência foi fechar um acordo com rebeldes que pedem uma maior fatia dos recursos petrolíferos. Em troca do desarmamento, prometeu investir em infraestrutura, criar empregos e oferecer anistia.
Mesmo antes de sua doença, o principal grupo armado, o Movimento pela Emancipação do Delta do Níger, já dava sinais de impaciência com o cumprimento da promessa.
"O governo tem no máximo alguns meses para implementar o processo. Os garotos que aceitaram deixar os pântanos e depor suas armas querem algo em troca. Você não pode esperar que eles fiquem sentados esperando uma definição", afirma Elizabeth Donnely, ligada à Chatham House, centro de estudos britânico.
Segundo Donnely, Yar'Adua era visto pelos rebeldes como o maior fiador do processo. Jonathan, mesmo sendo originário da região do delta do Níger, ainda precisa provar seu compromisso com o acordo.

Fundamentalismo
A segunda razão para a Nigéria influenciar a África e o mundo é sua recente "promoção" a nova fronteira da guerra contra o terrorismo. No final do ano passado, um nigeriano com ligações com a Al Qaeda por pouco não explodiu um avião que rumava para os EUA.
"Desde o início dos anos 90 existem redes radicais islâmicas no norte da Nigéria que operavam de maneira independente da Al Qaeda. A sensação de vácuo de autoridade abre uma oportunidade para que se integrem à rede mundial", declara Khadiagala.
O mais provável, diz, é que haja um acordo de procedimento entre Jonathan e os chefes políticos ligados a Yar"Adua. Ele ficaria no cargo até 2011, quando haverá novas eleições, desistindo de concorrer ao cargo -"devolvendo" o poder a um nortista, portanto.
Em troca, poderia governar, desde que o faça de maneira modesta. Em outras palavras, um governo frágil seria a solução para a fragilidade institucional da Nigéria.


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