São Paulo, quarta-feira, 07 de abril de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Sinal é positivo, com "pegadinha"

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Toda iniciativa de Barack Obama que contradiz a posição de seu antecessor, George W. Bush, acaba enviando um sinal positivo. Nem sempre pelo valor intrínseco do movimento, mas pela inevitável comparação com o período anterior -não exatamente o mais popular, interna e externamente.
Essa comparação vale para a nova doutrina nuclear americana, anunciada ontem.
É só lembrar os enunciados de Bush e de Obama. Bush: "Armas nucleares desempenham um papel crítico na capacidade de defesa dos EUA, seus aliados e amigos. Provêm opções militares críveis para deter um amplo leque de ameaças, incluindo armas de destruição em massa e forças militares convencionais de grande escala".
A lista de alvos potenciais era, portanto, alentada, mais ainda pelo unilateralismo com que Bush decretava quem tinha e quem não tinha armas de destruição em massa.
Obama: "Os EUA não usarão ou ameaçarão usar armas nucleares contra Estados desprovidos de armas nucleares que sejam membros do TNP".
A lista de alvos potenciais cai, portanto, a oito, que é o número de potências nucleares, fora os próprios EUA.
O sinal positivo contém, no entanto, uma digamos "pegadinha", que surge no complemento: não haverá uso nem ameaça de uso contra países não nucleares desde que "cumpram com suas obrigações de não proliferação".
Volta-se, nesse ponto, à interpretação subjetiva e, por extensão, ao arbítrio. Até o Brasil, em tese, pode sentir-se ameaçado, na medida em que se recusa a assinar o Protocolo Adicional ao TNP, instrumento que permite inspeções de surpresa e, portanto, mais aptas a detectar o cumprimento ou não das obrigações inerentes ao TNP em si.
Não assinar o protocolo é não cumprir o TNP propriamente dito? Trata-se, como é óbvio, de questão de interpretação.
Mas é igualmente óbvio que o alvo não é o Brasil, mas os suspeitos de sempre, Irã e Coreia do Norte, como deixou claro, se necessário fosse, o porta-voz de Obama, Robert Gibbs.
Seria impensável retirar a ameaça ao Irã, dadas as condições políticas internas nos EUA e também a pressão de aliados como, principalmente, França, Alemanha e Israel. Afinal, há um certo consenso interno de que "se o programa nuclear iraniano continuar a avançar no ritmo atual, Teerã poderia ter o material nuclear necessário para construir a bomba antes de que termine o mandato de Obama", conforme análise de James Lindsay e Ray Takeyh, do Council on Foreign Relations.
Resta saber se manter o Irã na lista de alvos muda algo.


Texto Anterior: Brasil: Pressão por sanções a Irã repete Iraque, afirma Amorim
Próximo Texto: Brown marca para próximo mês eleição no Reino Unido
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.