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Conceito de democracia está em xeque
BARBARA CROSSETTE
DO "THE NEW YORK TIMES"
Já faz anos que os EUA classificam alguns países -caso de Iraque e Coréia do Norte- como
"Estados irresponsáveis" ou
"bandidos". Agora, à medida que
o mundo se torna mais democrático -mais de 60% dos países
têm líderes eleitos-, surge um
conceito mais complexo: o das
"democracias irresponsáveis".
São os países cujos governos democráticos descarrilam, descambando para a agressividade em relação a países vizinhos e deixando
de cumprir a promessa de que a
democracia fomentará liberdade.
Não é fácil para as democracias
consolidadas saber como lidar
com esse novo tipo de "Estado irresponsável", nem mesmo reconhecê-lo. Afinal, é tentador pressupor que, quando outros países
optam por eleger líderes em pleitos livres, a decisão será automaticamente seguida de coisas boas.
O caso do Peru é o exemplo
mais recente. Nesse país um presidente eleito, Alberto Fujimori,
reescreveu a Constituição, reduziu os poderes do Congresso e limitou as liberdades políticas, tudo em nome da ordem social.
Agora ele reivindica um terceiro
mandato presidencial, após uma
eleição tão repleta de irregularidades que a oposição a boicotou e a
missão de observadores da Organização dos Estados Americanos
(OEA) não a aprovou.
O que o mundo deve fazer? Dar
as costas ao Peru? Impor sanções?
Quando os eleitores austríacos
aproximaram o xenófobo Joerg
Haider do poder, a Europa se
uniu e o relegou ao ostracismo.
No Peru, porém, algo semelhante
parece ser pouco provável.
Já ficou claro há algum tempo
que não existe mais uma única
definição universalmente aceita
do que é democracia, e, portanto,
torna-se difícil dizer quando um
país deixa de ser uma democracia.
Considere-se a diversidade de
formas existente no Peru, na Rússia, na Índia, no Zimbábue, nos
EUA, na Áustria e no Japão. Além
disso, há um consenso de que
eleições não constituem garantia
de livre expressão ou justiça.
No entanto, a capacidade que
tem um país de se descrever como
democracia frequentemente lhe
vale solidariedade entre os eleitores ocidentais. Na realidade, não é
de hoje que líderes eleitos utilizam
as formas de democracia como
maneira política de enganar
aqueles, no exterior, que se arrogam o direito de avaliar sua legitimidade.
Em toda a América Latina, as
Constituições são rotineiramente
reescritas para ampliar os mandatos e poderes dos presidentes.
Democracias imperfeitas sempre existiram; o próprio caráter
confuso da forma política é um
convite à imperfeição. Os EUA já
tiveram segregação racial, prisão
de norte-americanos de origem
japonesa e repetidos episódios de
brutalidade policial. Os europeus
divergem quanto aos limites da liberdade de expressão e ao tratamento às minorias.
No entanto, os exemplos podem ser vistos como falhas na realização dos ideais da democracia,
e não como sua negação. Um problema mais fundamental surge
quando as instituições são demasiado fracas para remediar essas
falhas -um papel frequentemente desempenhado pelos Legislativos eleitos e, nos EUA, pelo sistema judiciário.
Poderíamos afirmar que uma
democracia adentra no território
"irresponsável" quando um país
não consegue impor limites às
manobras de poder de um líder
eleito que opta por não entregar o
poder e, para isso, reescreve as regras do jogo. Um dos corolários
quase sempre é a opressão de algum tipo, muitas vezes começando pela oposição política. E a mistura se torna letal, como acontece
na Iugoslávia, quando questões
de raça, etnia ou religião são utilizadas para inflamar as paixões
políticas.
Susan Kaufman Purcell, presidente da Sociedade das Américas,
em Nova York, classifica os governos de Hugo Chávez, na Venezuela, e de Fujimori, no Peru, como "democracias imperfeitas",
acrescentando que, "muitas vezes, é difícil diferenciar as democracias imperfeitas das falsas democracias". Para ela, uma democracia precisa ter "a possibilidade
de um líder em exercício ser destituído do poder por meio do voto,
por meio de um processo eleitoral
que dê espaço à concorrência".
Michael Joseph Smith, professor de ciência política na Universidade de Virgínia (EUA), disse
que as democracias fortes "ainda
não refletiram o suficiente sobre a
manutenção da democracia".
No caso do Peru, disse, os EUA
poderiam ter dado apoio maior à
OEA. Em lugar disso, primeiro
endossaram a avaliação incomumente enfática da OEA segundo a
qual a eleição teve falhas. Num segundo momento, porém, recuaram. Para Smith, foi uma mensagem negativa à América Latina.
"Precisamos mobilizar muito
mais as organizações multilaterais", disse Smith. "A democracia
exige cuidados constantes."
Tradução de Clara Allain
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