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COMENTÁRIO
O erro não foi só da CIA
NICHOLAS D. KRISTOF
DO "NEW YORK TIMES"
Ontem foi o 79º dia da busca de
armas de destruição em massa do
Iraque. E, mais uma vez, nada foi
encontrado.
Os espiões estão furiosos com a
manipulação de seu trabalho para
exagerar a ameaça iraquiana. Por
isso mesmo, andam surpreendentemente faladores. Ressaltam
que, mesmo que as armas acabem
sendo encontradas, continuará a
existir um problema fundamental
-não dentro da comunidade de
inteligência, mas com os altos
membros da administração, especialmente no Pentágono.
"Como funcionário da Agência
de Inteligência da Defesa (DIA, na
sigla em inglês), sei como a administração atual mentiu para o público para conseguir apoio para
seu ataque ao Iraque", esbravejou
uma de minhas fontes. Outros enxergam um padrão marcado não
tanto por mentiras, mas por auto-engano -e pelo hábito de sujeitar as agências de inteligência a esses logros.
É preciso tomar o sentimento
de ultraje dos arapongas com alguns grãos de sal, porque a turma
da inteligência tem estado por
baixo na luta pelo poder que trava
com o Pentágono. Mas é esse justamente o problema: o Pentágono
virou o gorila de 400 quilos da administração Bush, desempenhando papel central não só em assuntos militares, mas também na inteligência e na política externa.
"O problema fundamental é
que o gabinete do secretário da
Defesa [Donald Rumsfeld] ganhou poder demais", observou
Patrick Lang, que já foi alto funcionário da DIA.
Um passo nesse sentido foi dado já na administração Clinton,
quando o secretário da Defesa ganhou controle maior sobre o que
é feito com as imagens produzidas pelos satélites de espionagem.
Em seguida, Rumsfeld montou
sua própria "loja" de inteligência
dentro do Pentágono. A filosofia
básica da inteligência -a de que
ela deve ser mantida separada das
considerações políticas, para conservar sua honestidade- saiu
profundamente prejudicada.
Uma comissão sugeriu, há dois
anos, que as funções de inteligência fossem consolidadas sob a égide do diretor da CIA. Foi uma ótima idéia, mas descartada, entre
outros, por Rumsfeld.
A inteligência precisa ser analisada por profissionais, não por
ideólogos. Eu me recordo de um
espião que costumava me telefonar quando eu vivia na China. Ele
me passava informações espantosas sobre os altos dirigentes chineses. Em troca, pedia cópias de
documentos chineses sigilosos
que tinha obtido. Mas eu nunca
conseguia confirmá-las. Finalmente me dei conta de que ele estava simplesmente inventando
notícias saborosas para ter algo
para trocar comigo.
É assim que o jogo da inteligência às vezes funciona: a informação é farta, confusa, contraditória
e facilmente deturpada. Ao invés
de ser manipulada para agradar
aos políticos, ela precisa ser protegida deles. "O presidente é um homem muito poderoso", disse Ray
Close, 26 anos de CIA. "Quando
você percebe o que ele quer, é
muito difícil resistir à tentação de
buscar exatamente aquilo."
Segundo a reconstrução dos fatos que consigo fazer, Rumsfeld
realmente achava que a CIA e a
DIA estavam fazendo um péssimo trabalho no Iraque. Ele estava
ouvindo informações muito mais
alarmantes vindas da oposição
iraquiana no exílio. Então o Pentágono criou sua unidade de inteligência própria, que começou a
analisar as informações de todas
as outras fontes e a pressionar outras agências a chegarem a conclusões mais alarmistas. "Ele é um
ideólogo", disse um integrante do
mundo da espionagem, falando
de Rumsfeld. "Apesar de ser inteligente, não começa pelos fatos.
Ele tem uma hipótese e vai buscar
fatos que a fundamentem."
Não que isso constitua um delito capital. Os líderes do Pentágono devem se sentir livres para discordar de possíveis avaliações tolas feitas pela CIA. Mas, para que
o processo funcione, é preciso que
os altos escalões da CIA reajam. E
seu diretor atual, George Tenet, se
submeteu a Rumsfeld.
"Tenet tomou o partido da turma do Departamento da Defesa e
desacreditou seus próprios analistas", disse Larry Johnson, um
analista da CIA aposentado.
Apesar disso, Tenet não deveria
ser transformado em bode expiatório, sendo responsabilizado por
problemas que se devem principalmente à ação dos radicais do
Pentágono. Sua expulsão deixaria
o gabinete do secretário da Defesa
mais poderoso do que nunca.
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