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ARTIGO
Ajudando o Irã a sair do frio
NADER MOUSAVIZADEH
Um fatídico consenso se forma em torno da ideia de que
uma guerra com o Irã é inevitável. O fracasso da não diplomacia dos últimos oito anos resultou no pior cenário possível.
Na opinião da maioria dos especialistas, o Irã ultrapassou o
ponto de não retorno no desenvolvimento da capacidade técnica para produzir armas atômicas sem que tenha violado
suas obrigações sob o Tratado
de Não Proliferação Nuclear.
A mensagem do premiê israelense, Binyamin Netanyahu, sobre ameaças existenciais
ecoa alertas árabes sobre a
ameaça persa no horizonte.
A Palestina ficou para trás, e
o Irã é o assunto agora. O grande debate envolve determinar
se a estrada para Teerã passa
por Jerusalém ou vice-versa.
Como potência regional ascendente cujo retrospecto inclui patrocinar o Hizbollah e o
Hamas, o Irã está usando todas
as armas para perturbar a ordem estabelecida. Responder a
esse desafio sem guerra requererá uma virada além da simples aproximação diplomática.
Focar só na busca de relevância do Irã por meio de capacidade nuclear bélica evita a questão central. Ao ignorar as intenções, perde-se uma chance
muito mais importante de desafiar Teerã a um debate real
sobre seu lugar legítimo na arquitetura regional e sobre as
maneiras profundamente ilegítimas pelas quais tenta obtê-lo.
Em outras palavras, a bomba
não é a questão. Mas prevenir a
obtenção de armas nucleares
por Teerã conquistou posição
perigosamente totêmica como
objetivo dos EUA e aliados.
Os americanos seguem prisioneiros de três décadas de raciocínio de Guerra Fria, no que
tange ao Irã. E nada no novo governo sugere mudança tão fundamental quanto a necessária.
Embora pareça provável que
o governo Obama venha a resistir à pressão de curto prazo por
ação militar, sua combinação
de inovação retórica e perpetuação de políticas dificilmente
produzirá um efeito diferente.
É o cronograma de uma guerra anunciada. Nos próximos
meses, gestos diplomáticos
provavelmente serão recebidos
com ceticismo e manobras dilatórias por parte de Teerã.
Informações novas e alarmantes sobre possíveis programas nucleares clandestinos
emergirão, acompanhadas por
uma aceleração das atividades
do Hizbollah e do Hamas.
O governo americano concluirá que sua mão estendida
foi recebida pelo conhecido punho cerrado e procurará apoio
da ONU para impor sanções.
Quando Rússia e China se recusarem a aderir a um regime
de sanções significativo, se argumentará que todas as demais
opções foram exauridas. A
guerra se tornará inevitável.
Novo paradigma
Para evitar essa calamidade,
é preciso reverter o ponto de
partida para a reaproximação:
deixar de lado a bomba, o patrocínio do Irã a Hizbollah e
Hamas e descartar a ideia de
que ameaças levem Teerã a alterar o raciocínio estratégico.
O objetivo deveria ser um
ambiente no golfo Pérsico no
qual o Irã tenha menos motivos
para procurar o status de possuidor de armas nucleares e no
qual não deflagre conflitos em
cascata caso, ainda assim, decida fazê-lo. É necessária uma
nova estrutura de intenções para a diplomacia para o Irã.
Isso significa iniciar negociações bilaterais diretas sem precondições, focadas nas áreas de
preocupação comum, como Paquistão, Afeganistão e Iraque.
Para o Irã, isso demandaria
aceitar o papel-chave dos EUA
na região, concordar que Hizbollah e Hamas busquem interesses por meios políticos e não
militares e voltar a apoiar qualquer que seja o acordo que palestinos consigam com Israel.
Os EUA teriam que reconhecer as fontes da paranoia do Irã:
o legado da guerra de dez anos
com o Iraque, o fato de estar
cercado de potências nucleares
e os 30 anos de antagonismo
com a maior potência mundial.
Isso poderia levar à aceitação
de papel legítimo para o Irã na
região por intermédio americano, incluindo vizinhos árabes.
Uma mudança dessa magnitude requererá gesto de fé. O
pragmatismo em política externa, por mais bem vindo que
seja após oito anos, tem limites,
tanto morais como filosóficos.
Para o Irã, também representa beco sem saída. Só a virada
fundamental em direção a uma
política de coexistência calculada garantirá a defesa de nossos interesses e a segurança de
nossos aliados em longo prazo.
Também representa a melhor esperança para o povo do
Irã e sua luta por uma sociedade moderna, livre e aberta.
O governo Bush lutou a batalha das capacidades com o Irã e
perdeu. A batalha das intenções ainda pode ser vencida.
O autor, assistente especial do secretário-geral
das Nações Unidas, Kofi Annan, de 1997 a 2003,
é pesquisador e consultor sênior do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. Este artigo foi distribuído pela Wylie Agency e foi originalmente publicado no "Washington Post"
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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