São Paulo, segunda-feira, 07 de junho de 2010

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ENTREVISTA DA 2ª ZAPIRO

Religiões são tratadas com cuidado excessivo

Depois de criar polêmica com muçulmanos por retratar o profeta Maomé no divã, cartunista sul-africano defende liberdade e direitos humanos

FÁBIO ZANINI
DE JOHANNESBURGO

Um desenho de Maomé deitado no divã, reclamando que seus seguidores não têm senso de humor. A reação dos muçulmanos mostrou a exatidão do cartum: protestos e ameaças anônimas contra seu autor, o sul-africano Zapiro, 52, nome artístico do cartunista Jonathan Shapiro. O Conselho de Juristas Muçulmanos da África do Sul chegou a alertar para a possibilidade de retaliação durante a Copa do Mundo, que se inicia nesta semana.
Em entrevista por telefone, Zapiro, que vive na Cidade do Cabo, diz que é preciso reafirmar os direitos de cartunistas no mundo todo.
"Eu sinto que as religiões são tratadas com cuidado excessivo pela sociedade. Acho difícil aceitar isso", afirma.

 

Folha - O sr. imaginava a repercussão de seu cartum?
Zapiro -
Depois do que aconteceu em 2005 na Dinamarca, sabia que iria criar algum tipo de agitação. Mas pensava que ia me safar sem tanto furor. Avaliei mal.

O sr. teme virar uma versão sul-africana de Salman Rushdie [escritor indiano ameaçado de morte por ter feito um livro considerado profano]?
Recebi ameaças, mas é difícil dizer se são sérias. Comuniquei à polícia, que está investigando. Não quero ficar paranoico.

E o argumento de que a religião deve ser respeitada?
Levei isso em consideração, mas obviamente considerei outras coisas mais importantes, aspectos de liberdade de expressão e de direitos humanos. Sinto que as religiões são tratadas com cuidado excessivo pela sociedade. Acho difícil aceitar isso.

É a hora de os cartunistas declararem guerra ao radicalismo muçulmano?
Não gostaria de encorajar pessoas a encararem isso como uma grande e única campanha. No caso do profeta Maomé, há séculos de belas ilustrações sobre ele, na Índia, na Turquia, no Irã.
Não há nenhum lugar no Corão dizendo que o profeta não deve ser desenhado.

Cartunistas de uma forma geral devem respeitar limites?
Cartunistas devem alargar os limites. Não temos um direito maior do que os outros, mas temos um grau mais alto de irreverência e potencial de causar ofensa. Devemos estar sujeitos aos mesmos tipos de controle.
É, em linhas gerais, o que a ONU define de "discurso do ódio", sujeito a controle.
Sempre lembro dos cartuns antes do genocídio em Ruanda [em 1994] que estimulavam as pessoas a "matarem as baratas" [referência à minoria tutsi].

E o em que o sr. mostra o presidente Jacob Zuma se preparando para estuprar a Justiça?
Sobre esse não tenho nenhuma reserva. No desenho, a figura da Justiça é simbólica. Uma metáfora.

O sr. satirizou muitas vezes o ex-presidente Nelson Mandela. Qual a dificuldade de fazer isso a alguém visto como um santo vivo?
Não é fácil, mas não é impossível. Em 1995, fiz meu primeiro cartum sobre ele.
Um ativista antiapartheid foi pego num escândalo de corrupção e ia ser preso, mas foi presenteado por Mandela com o cargo de embaixador em Genebra.
Fiz um cartum dele como um gigante, com uma auréola caindo num precipício, e um guindaste tentando puxá-la de volta.

Imagino que seja bem mais fácil com Zuma.
Claro! É bem mais fácil com alguém que tem vários defeitos e que pode ser engraçado em várias ocasiões.

E quanto à Copa do Mundo? Dará muito material para o seu trabalho?
Há muito que satirizar no futebol. A começar da nossa seleção, que sempre esteve perto do número 90 do ranking da Fifa.
Recentemente melhorou um pouquinho, para número 80 [83ª posição em maio]. Em 1996, o Bafana Bafana [apelido da seleção] foi número 20.


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