São Paulo, sexta-feira, 07 de julho de 2006

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Mexicano ainda precisa construir sua legitimidade

Se ratificado como presidente, conservador terá a menor representatividade em 80 anos

Em eleição com 41% de abstenção, vitória do PAN após campanha morna deve-se em parte ao medo do populismo de Obrador

DO ENVIADO ESPECIAL
À CIDADE DO MÉXICO

Além das suspeitas levantadas pela manipulação de dados da apuração, Felipe Calderón será o presidente com menos representatividade dos últimos 80 anos no México -isso, se a Justiça ratificar sua vitória, apesar da pressão da esquerda.
O conservador terá que demonstrar muito talento para conseguir governar um país -e um Congresso- profundamente divididos. Em parte, por sua campanha centrada na polarização do pais.
Se fosse um candidato, a abstenção seria a vencedora inconteste. Cerca de 41% dos mexicanos não votaram no domingo, apesar dos seis meses de campanha e da gama de promessas de candidatos tão diferentes.
A apatia surpreende mais ao se tratar de uma democracia tão jovem, que viveu no domingo sua segunda eleição presidencial sem cartas marcadas ou domínio do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o país de 1929 a 2000.
Boa parte dos 35,89% dos votos recebidos pelo candidato do Partido da Ação Nacional devem ser creditados ao medo do populismo de Andrés Manuel López Obrador do que à cinzenta campanha do conservador. Em seu comício final, diante de 80 mil pessoas no Estádio Azteca, Calderón leu todo o seu discurso nos telões gigantes do local, transformados em teleprompters. Mesmo em tempos onde o marketing substituiu qualquer conteúdo nas campanhas eleitorais, o artificialismo da atitude choca.
O currículo na administração pública do conservador se resume aos oito meses em que foi ministro da Energia e a sete meses na direção de um banco estatal. Apesar de sua sólida formação acadêmica, com diploma em direito e mestrados em economia e administração pública (este por Harvard), sua campanha gastou mais tempo dizendo por que não deveria se votar em López Obrador.
Ao se dizer contrário ao aborto, à união civil homossexual e até à pílula anticoncepcional do dia seguinte, Calderón mostrou que seu cosmopolitismo se restringe a temas econômicos.

Sem revolução
Nem com o discurso inflamado de ricos contra pobres, López Obrador convenceu os 45% de pobres mexicanos. Apesar da ênfase no assistencialismo e nos programas de distribuição de renda, como bolsas-família para idosos e mães solteiras, seu mandato como prefeito da Cidade do México não inovou.
Nenhuma revolução em saúde, educação ou urbanismo -o que poderia se esperar de uma gestão municipal de esquerda. Mas gastou bilhões, nunca revelados, em grandes obras viárias que fizeram a alegria das empreiteiras locais. E, com maioria na Câmara Municipal, vetou projetos que obrigariam mais transparência. O presidente conservador Vicente Fox colocou contratos e salários de seu governo na internet.
Suas promessas de aumentos indiscriminados de salários e de trens de alta velocidade para ligar a capital à fronteira com os EUA recordaram a muitos os tempos de gastos desenfreados dos governos do PRI.
Seu maior erro, talvez, foi alienar a classe média, que decidiu a eleição. Mesmo com os inúmeros problemas que o México padece e que foram ignorados pelos principais candidatos -segurança, narcotráfico, crise energética, qualidade da educação- a classe média duplicou de tamanho desde 1994, e nota-se que ela preferiu a estabilidade oferecida pelo continuísmo do governo Fox, representado por Calderón.
Quase 80 anos após a Revolução Mexicana, a questão da pobreza em um país rico em recursos ainda está por ser resolvida. As alternativas oferecidas são conhecidas em todo o continente: reformas neoliberais que até agora não trouxeram milagres de crescimento ou de melhor distribuição de renda e populismos de esquerda, com receitas econômicas velhas, sem grandes inovações no modo de fazer política. Para mais de 40% dos mexicanos, foi melhor ficar em casa.
(RAUL JUSTE LORES)


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