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Mexicano ainda precisa construir sua legitimidade
Se ratificado como presidente, conservador terá a menor representatividade em 80 anos
Em eleição com 41% de abstenção, vitória do PAN após campanha morna deve-se em parte ao medo do populismo de Obrador
DO ENVIADO ESPECIAL
À CIDADE DO MÉXICO
Além das suspeitas levantadas pela manipulação de dados
da apuração, Felipe Calderón
será o presidente com menos
representatividade dos últimos
80 anos no México -isso, se a
Justiça ratificar sua vitória,
apesar da pressão da esquerda.
O conservador terá que demonstrar muito talento para
conseguir governar um país -e
um Congresso- profundamente divididos. Em parte, por
sua campanha centrada na polarização do pais.
Se fosse um candidato, a abstenção seria a vencedora inconteste. Cerca de 41% dos mexicanos não votaram no domingo,
apesar dos seis meses de campanha e da gama de promessas
de candidatos tão diferentes.
A apatia surpreende mais ao
se tratar de uma democracia
tão jovem, que viveu no domingo sua segunda eleição presidencial sem cartas marcadas ou
domínio do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que
governou o país de 1929 a 2000.
Boa parte dos 35,89% dos votos recebidos pelo candidato do
Partido da Ação Nacional devem ser creditados ao medo do
populismo de Andrés Manuel
López Obrador do que à cinzenta campanha do conservador. Em seu comício final, diante de 80 mil pessoas no Estádio
Azteca, Calderón leu todo o seu
discurso nos telões gigantes do
local, transformados em teleprompters. Mesmo em tempos
onde o marketing substituiu
qualquer conteúdo nas campanhas eleitorais, o artificialismo
da atitude choca.
O currículo na administração
pública do conservador se resume aos oito meses em que foi
ministro da Energia e a sete
meses na direção de um banco
estatal. Apesar de sua sólida
formação acadêmica, com diploma em direito e mestrados
em economia e administração
pública (este por Harvard), sua
campanha gastou mais tempo
dizendo por que não deveria se
votar em López Obrador.
Ao se dizer contrário ao aborto, à união civil homossexual e
até à pílula anticoncepcional do
dia seguinte, Calderón mostrou
que seu cosmopolitismo se restringe a temas econômicos.
Sem revolução
Nem com o discurso inflamado de ricos contra pobres, López Obrador convenceu os 45%
de pobres mexicanos. Apesar
da ênfase no assistencialismo e
nos programas de distribuição
de renda, como bolsas-família
para idosos e mães solteiras,
seu mandato como prefeito da
Cidade do México não inovou.
Nenhuma revolução em saúde, educação ou urbanismo -o
que poderia se esperar de uma
gestão municipal de esquerda.
Mas gastou bilhões, nunca revelados, em grandes obras viárias que fizeram a alegria das
empreiteiras locais. E, com
maioria na Câmara Municipal,
vetou projetos que obrigariam
mais transparência. O presidente conservador Vicente Fox
colocou contratos e salários de
seu governo na internet.
Suas promessas de aumentos
indiscriminados de salários e
de trens de alta velocidade para
ligar a capital à fronteira com os
EUA recordaram a muitos os
tempos de gastos desenfreados
dos governos do PRI.
Seu maior erro, talvez, foi
alienar a classe média, que decidiu a eleição. Mesmo com os
inúmeros problemas que o México padece e que foram ignorados pelos principais candidatos
-segurança, narcotráfico, crise
energética, qualidade da educação- a classe média duplicou
de tamanho desde 1994, e nota-se que ela preferiu a estabilidade oferecida pelo continuísmo
do governo Fox, representado
por Calderón.
Quase 80 anos após a Revolução Mexicana, a questão da pobreza em um país rico em recursos ainda está por ser resolvida. As alternativas oferecidas
são conhecidas em todo o continente: reformas neoliberais
que até agora não trouxeram
milagres de crescimento ou de
melhor distribuição de renda e
populismos de esquerda, com
receitas econômicas velhas,
sem grandes inovações no modo de fazer política. Para mais
de 40% dos mexicanos, foi melhor ficar em casa.
(RAUL JUSTE LORES)
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