São Paulo, sábado, 07 de agosto de 2010

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CLÓVIS ROSSI

Críticas justas, notícias nem tanto


Documento do Brasil sobre direitos humanos não visa silêncio mas uma mudança de "modus operandi"


A POLÍTICA EXTERNA do governo Luiz Inácio Lula da Silva e declarações presidenciais e/ou ministeriais a respeito receberam neste ano bem mais críticas do que em todos os sete anos e meio anteriores. Aliás, nos anteriores, foi todo um deslumbramento, "à esquerda e à direita", como chegou a dizer à Folha o presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero.
As críticas estão centradas, essencialmente, no enfoque que o governo Lula adota na questão dos direitos humanos. São críticas na maioria justas, ao menos do meu ponto de vista.
Não dá para escudar-se no silêncio, a pretexto de não interferir em questões internas de outros países, e menos ainda fazer declarações torpes que acabam sendo um aval a práticas bárbaras.
Direitos humanos não conhecem fronteiras.
Tampouco vale o argumento, por exemplo, de que há violações dos direitos humanos em Cuba mas há também em Guantánamo, praticadas pelos Estados Unidos, que condenam Cuba. Muito bem. Condene-se Guantánamo mas condene-se também Cuba.
Se as críticas são justas, não vale usar o que não existe para reforçá-las. Refiro-me, especificamente, ao noticiário desta semana em que se afirma que um documento apresentado pela delegação brasileira ao Conselho de Direitos Humanos da ONU sugere evitar censura aos países que violam direitos humanos.

NOVOS MECANISMOS
Tocado pela notícia, o Itamaraty, algo tardiamente, divulgou na quinta-feira a íntegra da proposta. O que ela contém não é uma sugestão de silêncio mas de troca do "modus operandi", hoje de confrontação com alguns países específicos, pela busca de cooperação.
O argumento central, que parece fazer sentido, é o de que não há uma única história de sucesso no modelo da confrontação.
A maneira prática de operar a mudança tende em tese a fazer até mais ruído sobre direitos humanos do que o modelo atual.
Propõe, por exemplo, a organização de "sessões informativas, com a participação do país afetado assim como das agências da ONU e outros atores relevantes com presença no campo".
Se a proposta for implementada no caso de Cuba, por exemplo, parece evidente que o arcebispado de Havana seria -como já é- um "ator relevante" em matéria de direitos humanos, o que lhe daria assento no exame da situação na ilha caribenha --com a inevitável exposição midiática.
Há outros mecanismos sugeridos, que o espaço torna impraticável tentar resumir, pelo risco de perder a essência. Quem se interessar, até para criticar mas de maneira informada, encontra a íntegra (em inglês) no sítio do Ministério de Relações Exteriores (nota à imprensa nº 509).
A nota responde, antecipadamente, a uma objeção óbvia à tese de que é melhor o diálogo que o confronto: e se o país em evidência recusar-se ao diálogo?
Aí, "outras medidas podem provar-se necessárias", diz o texto. E completa: "Uma vez que o Conselho [de Direitos Humanos] explorou as ferramentas e instrumentos da negociação e do diálogo diplomático, os custos do não engajamento de parte de um dado país tornam-se muito mais altos".


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