São Paulo, domingo, 07 de agosto de 2011

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CLÓVIS ROSSI

O momento "Tea Party" da S&P


O que a agência fez com a nota dos EUA parece mais uma tocaia para Barack Obama do que coisa séria


O rebaixamento da nota dos títulos norte-americanos é o momento "Tea Party" de uma agência de "rating", no caso a Standard & Poor's.
Trata-se de uma alucinação e de uma irresponsabilidade explícitas. Pena que a reverência com que governos, mídia e economistas passaram a tratar tais agências faz com que se aceite a decisão como uma espécie de palavra de Deus.
Se as agências tivessem tal capacidade de premonição teriam antevisto, por exemplo, a quebra do Lehman Brothers. Não viram.
O banco quebrou, o que desencadeou a Grande Recessão de 2008/2009, que agora volta a assombrar o planeta.
Se seu sócio numa empresa recomendasse comprar, digamos, o Mappin, o que você faria com ele, quando faliu miseravelmente? No mínimo, tentaria pô-lo na cadeia. No máximo, contrataria um pistoleiro de aluguel.
Não recomendo que se faça isso com a S&P apenas por conta de minha índole cristã e pacífica. Mas daí a continuar tratando as agências como palavra de Deus vai uma distância que só o predomínio avassalador do sistema financeiro na economia global permite percorrer.
Não é só o passado que condena a S&P. As alegações do presente também. O principal ponto para "explicar" o rebaixamento é o suposto "enfraquecimento das instituições", o que, por extensão, levaria à incapacidade de operar mais cortes, até levá-los à altura que a agência quer impor, os US$ 4 trilhões.
Que a política norte-americana se tornou disfuncional ninguém nega. Mas daí a fazer previsões sobre o comportamento futuro das instituições, da dívida, dos cortes, das negociações no Congresso é um exercício puramente especulativo. E especulação não é um instrumento válido para intrometer-se em avaliações teoricamente técnicas.
Primeiro, qualquer tamanho de corte que se queira estabelecer é arbitrário. Ninguém consegue adivinhar o desempenho em dez anos (prazo para os cortes) de uma dada economia, menos ainda de uma economia potente, diversificada e tremendamente rica como a norte-americana, apesar dos problemas que enfrenta.
Se, daqui a alguns meses ou um, dois anos, a economia voltar a crescer, sobe a receita, e o corte, mesmo menor do que a S&P deseja, pode bastar para manter a dívida em níveis perfeitamente administráveis.
Mais: mesmo disfuncionais, as "instituições" já acertaram, na undécima hora, um corte inicial de quase US$ 1 trilhão. E, até novembro, sai outro pacote, maior ainda, de US$ 1,5 trilhão, o que elevará os cortes ao tamanho da economia brasileira.
Ainda que não haja acordo, o pacote aprovado há pouco prevê um gatilho automático para disparar os cortes, que, de resto, serão feitos em dez anos.
Nesse período, haverá três eleições presidenciais e seis congressuais, o que pode devolver um mínimo de funcionalidade à política norte-americana. Ou um máximo.
Tudo somado, agir agora especulando com o futuro parece apenas uma tocaia a Barack Obama, que enfrentará a campanha com o rótulo de primeiro presidente da história a perder o triplo A.
Típico comportamento do "Tea Party".

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO:
Rubens Ricupero


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