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"Historiadores já não querem discutir culpas da 2ª Guerra"
Britânico Martin Conway diz que, 70 anos após conflito, vale mais debater implicações
Algumas das coisas que os políticos atuais dizem sobre a guerra "soam muito simplistas e, às vezes, estúpidas", afirma professor
LUCIANA COELHO
DE GENEBRA
A troca de acusações entre a
Rússia e a Polônia sobre a Segunda Guerra Mundial que deu
o tom nas celebrações dos 70
anos do início do conflito, na
semana passada, serve bem ao
discurso político. Mas não mais
aos historiadores.
"Algumas vezes historiadores e políticos falam a mesma
língua. No momento, acho que
os historiadores estão interessados em coisas diferentes do
que os políticos sobre a guerra",
diz em entrevista à Folha Martin Conway, professor de história na Universidade de Oxford.
Conway é parte de uma geração que tem se debruçado sobre o conflito moldador da Europa contemporânea com os
olhos de quem nasceu após seu
término e, portanto, está menos impregnado das ideologias
em voga na época. Para eles, estudar as consequências da Segunda Guerra é mais revelador
do que apontar culpados.
FOLHA - O sr. disse que historiadores e políticos no momento estão interessados em coisas diferentes sobre a guerra. Em qual sentido?
MARTIN CONWAY - Muito do que
foi escrito em história nos últimos dez anos deixou essa esfera de culpa, inocência e de segredos ocultos. Nesta semana
tivemos a propaganda política
sobre a Polônia e a responsabilidade da União Soviética. Essa
não é uma questão que interesse mais aos historiadores.
FOLHA - Por quê? Os historiadores
passaram a se interessar mais pelas
consequências do que pelas causas?
CONWAY - Pelo menos na Europa, a Segunda Guerra não tem
mais muitos segredos a serem
contados, e as pessoas agora estão olhando para a frente, em
direção às suas consequências.
Muitos dos historiadores de
hoje não estiveram envolvidos
de modo nenhum na guerra,
nem tinham nascido e não sentem que tenham uma responsabilidade cívica de assumir
uma determinada posição. A
Segunda Guerra, para os historiadores, pela primeira vez se
tornou "história".
FOLHA - Por outro lado vê-se os políticos indo na direção oposta, como
o governo russo falando em revisar
a história. Os políticos ainda usam a
guerra ao moldar seu discurso?
CONWAY - Sim. Especialmente
no Leste Europeu, porque esses assuntos só puderam começar a ser tratados de fato em
1989. Para muitos políticos, a
guerra continua um assunto
muito imediato, muito óbvio.
Não os julgo, mas algumas das
coisas que dizem, para os historiadores, soam muito simplistas e, às vezes, estúpidas.
FOLHA - E o sr. crê que o público em
geral fique onde nessa dissonância?
CONWAY - Acho que a França é
um bom exemplo de como o
imediatismo da Segunda Guerra recuou. Os políticos não citam mais a guerra com frequência, e também não tenho a
impressão de que a população
esteja maciçamente engajada
em questões como o envolvimento da França como há 20
anos. Já a Bélgica é uma sociedade que vive voltando para a
guerra, não só no discurso político como no debate da sociedade. Isso ocorre porque é o
momento, acham eles, em que
o país começou a ruir como Estado-nação, então a guerra segue sendo o ponto de referência. Não tenho certeza de que
esse seja mais o caso na França
ou mesmo na Alemanha.
FOLHA - Em que medida estamos
passando para um período no qual a
guerra tenha seu peso, mas não seja
mais o fator essencial a moldar a política e a mentalidade da sociedade?
CONWAY - Acho que o público
em geral na Europa, quando
pensa no século 20, pensa ainda na Segunda Guerra como o
evento central. Mas para os historiadores já é verdade isso que
você diz. A guerra já não é vista
mais como o evento mais importante do século 20. Os historiadores estão mais interessados na continuidade entre o antes, o durante e o pós-guerra.
FOLHA - A importância dos anos 60
e 70 e seus levantes populares parece ter ficado mais clara para os historiadores nesta década. Isso é resultado do distanciamento temporal?
CONWAY - Em parte é a passagem do tempo, em parte é o fato
de novos documentos terem
vindo à tona, e em parte por haver livros ainda a serem escritos sobre os anos 60 e 70 -talvez não haja mais sobre a Segunda Guerra. Os assuntos que
interessam aos historiadores
são sempre as origens do presente, por que vivemos na sociedade como é hoje. E na hora
de responder essa pergunta, a
resposta não é tanto a Segunda
Guerra, mas os anos 60 e 70.
FOLHA - Mas como as consequências da Segunda Guerra ainda influenciam as coisas hoje, ao seu ver?
CONWAY - As estruturas dos
Estados-nações e as fronteiras
foram criadas após a guerra. Vivemos numa Europa que no
mapa é quase igual à definida
nos acordos de Yalta. E com o
relativo declínio da integração
europeia nos últimos cinco ou
dez anos, os Estados-nação seguirão sendo os principais tomadores de decisão, apesar de
toda a força da globalização.
Outra consequência, na Europa, é o estabelecimento de
um certo modelo de democracia moderada. Há um tabu forte
contra qualquer regime que
saia dessa definição de democracia, para a direita ou a esquerda. Há um consenso quase
intimidador sobre democracia.
FOLHA - Organizações como a
Otan, criadas no pós-Guerra, ainda
têm seu papel?
CONWAY - Acho que em relação
à Otan, o mais impressionante
é que ela ainda exista. Nenhuma aliança militar durou 60
anos. Talvez ela deixe de existir
no futuro, mas acredito que os
historiadores estão mais interessados em entender por que
ela durou tanto tempo, e por
que, em alguns Estados, ser
membro da Otan ainda é mais
interessante do que uma relação com a União Europeia.
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