São Paulo, terça-feira, 07 de setembro de 2010

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Escritor advoga boicote cultural em assentamentos israelenses

Para A.B. Yehoshua, é errado "entreter" colonos na Cisjordânia

MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM

Na semana passada, um grupo de artistas israelenses causou polêmica ao se recusar a participar de espetáculos num novo teatro no assentamento judaico de Ariel, na Cisjordânia.
Ocorrido a poucos dias da reabertura do processo de paz com os palestinos, o gesto serviu para lembrar que, apesar da aparente acomodação com o status quo em Israel, a repulsa à ocupação não vem só do exterior.
Em entrevista à Folha, A. B. Yehoshua, um dos mais importantes escritores de Israel, explicou que aderiu ao boicote para não dar legitimidade aos assentamentos.

Folha - Por que o boicote?
A. B. Yehoshua
- Apresentar-se em Ariel é dar legitimidade ao assentamento. Os artistas fizeram algo muito corajoso. Por que temos que ir a uma comunidade que nem sequer deveria ter sido construída e que atrapalha o processo de paz? Ariel não faz parte do Estado de Israel.

O premiê Netanyahu afirma que isso reforça o boicote que Israel sofre...
O mundo considera que os assentamentos não são legítimos e contrariam o direito internacional, além de serem um obstáculo à paz. Eu jamais participaria de um evento literário lá. Para falar de política iria, mas não para entreter os colonos.

O manifesto dos intelectuais deixou clara a divisão no país sobre o tema?
A divisão já foi bem mais séria. Há 20 anos, falar com a OLP [Organização para a Libertação da Palestina] era considerado uma traição, além de ser contra a lei. Hoje, se o governo assinar um acordo para a criação do Estado palestino, a grande maioria apoiará.
Pelo menos 70% da população israelense entende que se não houver um Estado palestino a demografia imporá o estabelecimento de um país binacional.
Algumas pessoas se irritam com essa verdade e se tornam mais direitistas.
Ainda mais que os palestinos [na Cisjordânia] se tornaram um parceiro equilibrado, que desenvolve sua economia e investe na segurança. Para muita gente, o fato de que existe um parceiro no lado palestino é uma realidade incômoda.

Pode-se dizer que há parceiro no lado palestino quando o Hamas continua a controlar a faixa de Gaza e se nega a reconhecer Israel?
O que o Hamas pode fazer? Ele já recebeu alguns duros golpes militares de Israel e está isolado, tanto pelo lado israelense como pelo egípcio. Fala-se do Hamas como se fosse o Irã, mas na verdade seu poder é muito limitado. Depois que houver um acordo, ou o Hamas se juntará ao Estado palestino ou continuará isolado.
O Hamas tenta sabotar o processo de paz o tempo todo, mas há cooperação em termos de segurança entre israelenses e palestinos, e isso continuará por muito tempo, com altos e baixos. A paz é um longo processo, que não terminará amanhã. Mas é preciso dar o primeiro passo.

O sr. acredita na seriedade do premiê no processo de paz?
Não é possível ignorar a realidade de que há um parceiro no lado palestino e uma expectativa mundial de que este conflito termine de uma vez, além do apoio do mundo árabe a uma solução negociada. Quem pode ser louco de dispensar uma oportunidade como essa? Acho que Netanyahu começa a negociação disposto a fazer concessões reais.
A questão é se elas incluirão Jerusalém e os assentamentos e se conseguirão superar o medo de provocar uma guerra civil caso retire os colonos da Cisjordânia.


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