São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Che vira símbolo oficial na Venezuela e na Bolívia

Governos marcam 40 anos de captura e morte do guerrilheiro argentino-cubano

Chávez inaugura estátua nos Andes e Morales é esperado em Vallegrande, onde comunista foi exibido em 1967 depois de morto

David Mercado/Reuters
Parede da área do hospital de Vallegrande onde corpo de Che ficou exposto

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Mais do que jogar luz sobre a trajetória do companheiro de Fidel Castro na Revolução Cubana de 1959, as celebrações na Bolívia e na Venezuela em torno dos 40 anos da morte do guerrilheiro Ernesto Che Guevara revelam o atual momento político desses dois países, seguindo a velha máxima do pensador italiano Benedetto Croce de que "toda história é história contemporânea".
Para frustração do presidente venezuelano, Hugo Chávez, a comemoração amanhã perdeu seu principal evento. O anunciado "encontro histórico" com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), para discutir a troca de 45 seqüestrados por 500 integrantes do grupo presos, foi adiado.
O encontro no aniversário da morte de Che havia sido um pedido público do porta-voz das Farc, Raúl Reyes, a Chávez, prontamente aceito pelo presidente venezuelano.
Mas a reunião foi adiada na semana passada. Fontes diplomáticas venezuelanas e ligadas à senadora colombiana Piedad Córdoba, facilitadora das negociações, culpam o presidente direitista colombiano, Álvaro Uribe, que não deu salvo-conduto para que os chefes das Farc deixassem o país.

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O encontro teria atraído atenções mundiais, mas não é imprescindível para evocar Che Guevara na Venezuela de Chávez. Aqui, como em Cuba e agora também na Bolívia, sua imagem é cada vez mais ligada à propaganda estatal.
Embora tenha menos força do que heróis nacionais como Simón Bolívar e Francisco de Miranda, o argentino já é parte do panteão chavista. Um busto seu figura há dois anos no centro de Caracas, e ele empresta seu nome a ações oficiais como a Missão Che Guevara, de cursos profissionalizantes.
Amanhã, o governo Chávez inaugura, no topo do pico andino Águia, um monumento de granito de 2,40 m, onde se poderá ler o trecho do diário de Guevara que faz referência à sua breve passagem pela Venezuela, em 1952, ainda antes de ele virar "Che".
"Nos últimos seis anos, muitos eventos sobre Che têm sido realizados, mas nunca como agora", diz o escritor Oscar Perdomo, 70, envolvido nas celebrações oficiais. Autor de uma "entrevista fictícia" com Che, Perdomo afirma que, ao contrário do que acontece na Bolívia, "aqui a relação com Che é tangencial, sua passagem não deixou rastros físicos".
Na Bolívia, a celebração oficial tem nome pomposo e programação singela. Desde anteontem, comemora-se o Encontro Mundial Che Guevara em Vallegrande, um isolado casario de não mais de 10 mil habitantes, no sudeste do país, perto de La Higuera, onde o guerrilheiro foi preso.
As atividades, ao longo de cinco dias, incluem uma caminhada na "Rota do Che" -convertida em atração turística-, apresentações teatrais e até um campeonato de futebol "Copa del Che". O presidente Evo Morales, que tem um retrato de Che feito com folhas de coca em seu gabinete e o citou no discurso de posse, deve chegar a Vallegrande amanhã.
Na Bolívia, a passagem do guerrilheiro deixou uma ferida ainda aberta. Militantes esquerdistas da época em que Guevara tentou implantar um movimento guerrilheiro na Bolívia hoje participam do governo Morales e têm de conviver com militares que atuaram na perseguição ao comunista.

Tensão
De acordo com o senador socialista Antonio Peredo, 71, até dez anos atrás o aniversário da morte do Che era uma data quase clandestina: "Havia uma romaria, os estudantes levavam um busto de gesso de Che, e dois ou três dias depois uma patrulha militar o derrubava e pisoteava". Ex-membro do Partido Comunista, ele teve dois irmãos mortos em 1967, quando participavam da guerrilha com Che, a quem conheceu.
Nos 30 anos da morte de Che, o então presidente, general Hugo Banzer, homenageou os militares responsáveis pela captura, hoje à margem. "Em vez de homenagear um homem que veio para invadir o país, deveríamos honrar os soldados que o defenderam", disse à France Presse o general aposentado Gary Prado, comandante da unidade que capturou Che.
Para o americano Jon Lee Anderson, biógrafo de Guevara, a evocação do guerrilheiro na região se explica porque ele "simboliza um tipo de ideal de mudanças radicais, às quais boa parte do mundo, a América Latina sobretudo, ainda se atém".
"Não é por acaso que Chávez recorre a Che Guevara quando tenta invocar a presença de uma entidade que dê um caráter quase que espiritual à sua revolução bolivariana", disse Anderson durante visita a Porto Alegre (RS), há seis dias.


Colaborou LUCIANA COELHO , enviada a Porto Alegre


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