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Che vira símbolo oficial na Venezuela e na Bolívia
Governos marcam 40 anos de captura e morte do guerrilheiro argentino-cubano
Chávez inaugura estátua nos Andes e Morales é esperado em Vallegrande, onde comunista foi exibido em 1967 depois de morto
David Mercado/Reuters
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Parede da área do hospital de Vallegrande onde corpo de Che ficou exposto
FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS
Mais do que jogar luz sobre a
trajetória do companheiro de
Fidel Castro na Revolução Cubana de 1959, as celebrações na
Bolívia e na Venezuela em torno dos 40 anos da morte do
guerrilheiro Ernesto Che Guevara revelam o atual momento
político desses dois países, seguindo a velha máxima do pensador italiano Benedetto Croce
de que "toda história é história
contemporânea".
Para frustração do presidente venezuelano, Hugo Chávez, a
comemoração amanhã perdeu
seu principal evento. O anunciado "encontro histórico" com
as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), para
discutir a troca de 45 seqüestrados por 500 integrantes do
grupo presos, foi adiado.
O encontro no aniversário da
morte de Che havia sido um pedido público do porta-voz das
Farc, Raúl Reyes, a Chávez,
prontamente aceito pelo presidente venezuelano.
Mas a reunião foi adiada na
semana passada. Fontes diplomáticas venezuelanas e ligadas
à senadora colombiana Piedad
Córdoba, facilitadora das negociações, culpam o presidente
direitista colombiano, Álvaro
Uribe, que não deu salvo-conduto para que os chefes das
Farc deixassem o país.
Propaganda
O encontro teria atraído
atenções mundiais, mas não é
imprescindível para evocar
Che Guevara na Venezuela de
Chávez. Aqui, como em Cuba e
agora também na Bolívia, sua
imagem é cada vez mais ligada à
propaganda estatal.
Embora tenha menos força
do que heróis nacionais como
Simón Bolívar e Francisco de
Miranda, o argentino já é parte
do panteão chavista. Um busto
seu figura há dois anos no centro de Caracas, e ele empresta
seu nome a ações oficiais como
a Missão Che Guevara, de cursos profissionalizantes.
Amanhã, o governo Chávez
inaugura, no topo do pico andino Águia, um monumento de
granito de 2,40 m, onde se poderá ler o trecho do diário de
Guevara que faz referência à
sua breve passagem pela Venezuela, em 1952, ainda antes de
ele virar "Che".
"Nos últimos seis anos, muitos eventos sobre Che têm sido
realizados, mas nunca como
agora", diz o escritor Oscar Perdomo, 70, envolvido nas celebrações oficiais. Autor de uma
"entrevista fictícia" com Che,
Perdomo afirma que, ao contrário do que acontece na Bolívia, "aqui a relação com Che é
tangencial, sua passagem não
deixou rastros físicos".
Na Bolívia, a celebração oficial tem nome pomposo e programação singela. Desde anteontem, comemora-se o Encontro Mundial Che Guevara
em Vallegrande, um isolado casario de não mais de 10 mil habitantes, no sudeste do país,
perto de La Higuera, onde o
guerrilheiro foi preso.
As atividades, ao longo de
cinco dias, incluem uma caminhada na "Rota do Che" -convertida em atração turística-,
apresentações teatrais e até um
campeonato de futebol "Copa
del Che". O presidente Evo Morales, que tem um retrato de
Che feito com folhas de coca
em seu gabinete e o citou no
discurso de posse, deve chegar
a Vallegrande amanhã.
Na Bolívia, a passagem do
guerrilheiro deixou uma ferida
ainda aberta. Militantes esquerdistas da época em que
Guevara tentou implantar um
movimento guerrilheiro na Bolívia hoje participam do governo Morales e têm de conviver
com militares que atuaram na
perseguição ao comunista.
Tensão
De acordo com o senador socialista Antonio Peredo, 71, até
dez anos atrás o aniversário da
morte do Che era uma data
quase clandestina: "Havia uma
romaria, os estudantes levavam um busto de gesso de Che,
e dois ou três dias depois uma
patrulha militar o derrubava e
pisoteava". Ex-membro do Partido Comunista, ele teve dois irmãos mortos em 1967, quando
participavam da guerrilha com
Che, a quem conheceu.
Nos 30 anos da morte de Che,
o então presidente, general Hugo Banzer, homenageou os militares responsáveis pela captura, hoje à margem. "Em vez de
homenagear um homem que
veio para invadir o país, deveríamos honrar os soldados que
o defenderam", disse à France
Presse o general aposentado
Gary Prado, comandante da
unidade que capturou Che.
Para o americano Jon Lee
Anderson, biógrafo de Guevara,
a evocação do guerrilheiro na
região se explica porque ele
"simboliza um tipo de ideal de
mudanças radicais, às quais boa
parte do mundo, a América Latina sobretudo, ainda se atém".
"Não é por acaso que Chávez
recorre a Che Guevara quando
tenta invocar a presença de
uma entidade que dê um caráter quase que espiritual à sua
revolução bolivariana", disse
Anderson durante visita a Porto Alegre (RS), há seis dias.
Colaborou LUCIANA COELHO , enviada a Porto
Alegre
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