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SUCESSÃO NOS EUA / ANIVERSÁRIO
Obama não me ilude, diz Chomsky
Ícone da esquerda, pensador afirma que presidente eleito é democrata familiar de centro, como Clinton
Aos 80 anos, que completa hoje, lingüista e teórico político americano é um dos principais intelectuais progressistas em atividade
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Noam Chomsky completa 80
anos hoje. O lingüista e teórico
político do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)
chega à idade redonda militando ativamente na esquerda da
esquerda do espectro político
dos EUA. Isso faz dele um espécime tão raro quanto foi um dia
o pássaro dodô.
Outra característica o coloca
na exceção: ele está desencantado com Barack Obama. Talvez desencantado não seja a palavra exata, já que ele dá a entender que nunca se encantou
com o presidente eleito. Não
acha que o movimento que lhe
deu a vitória seja democrático.
Diz que parece mais uma "ditadura por escolha".
Nascido na Filadélfia e professor emérito do MIT, onde leciona há 53 anos, Chomsky é
considerado o pai da lingüística
moderna. De acordo com sua
teoria, chamada gramática
transformacional, toda sentença inteligível contém não só
suas regras gramaticais peculiares como o que batiza de "estruturas profundas", uma gramática universal que serve a todas as línguas.
Na última semana, ele trocou
com a Folha uma série de e-mails. Primeiro, se queixou da
falta de tempo. "É com alegria
que leio seu e-mail, embora
com um pouco de remorso,
também", diz em um. "Acontece que a época é muito difícil
para mim." Noutro, se desculpa: "Sinto que terei de ser breve. Se eu não respondê-lo, a entrevista desaparecerá no caos
de pedidos irrespondidos".
Leia a seguir os principais
trechos da correspondência:
FOLHA - Como o sr. planeja celebrar seu aniversário?
NOAM CHOMSKY - Como um dia
normal.
FOLHA - Há 50 anos, quando o sr.
tinha 30, esperava ver um dia um
negro na Presidência dos EUA?
CHOMSKY - Não. Até há bem
pouco tempo nem esperava
que os dois candidatos finalistas do Partido Democrata seriam uma mulher e um afro-americano. O fato de isso ter
acontecido é um tributo ao ativismo dos anos 60 e suas conseqüências, que tiveram um efeito civilizador no país.
A opinião da elite européia
não está inteiramente errada
quando observa com espanto
que "só nos EUA um milagre
como esse poderia acontecer".
Pelos padrões ocidentais, a
eleição de um afro-americano
150 anos após a abolição da escravidão é realmente um evento histórico, diferentemente de
na Europa, que é provavelmente mais racista que aqui.
As democracias sul-americanas oferecem conquistas muito
mais importantes, na Bolívia e
no Brasil, por exemplo. E isso
vale para o resto do Sul. Mas o
racismo ocidental evita o reconhecimento, mesmo a constatação, de fatos como esses.
FOLHA - O sr. acha que Barack Obama está fadado a decepcionar parte
das pessoas que votaram nele -e
parte da opinião pública mundial-,
dadas as impossivelmente altas expectativas a seu respeito?
CHOMSKY - Aqueles que escolheram se iludir sem dúvida vão
ficar desapontados. Mas não se
pode culpar Obama por isso.
Afastada sua "retórica altiva",
que parece ter impressionado
tanta gente, ele nunca se apresentou como outra coisa além
de um democrata familiar de
centro, mais ou menos no molde de Bill Clinton [presidente
de 1993 a 2001].
A natureza da eleição é muito
bem compreendida pelos chefes dos partidos. Para ilustrar, a
cabeleireira de Sarah Palin recebeu o dobro do salário do
conselheiro de política externa
de John McCain -e ela foi decerto duas vezes mais importante para a campanha.
A indústria de relações públicas, que apregoa abertamente
vender os candidatos da mesma maneira que vende mercadorias, deu seu prêmio anual na
categoria "melhor marketing" à
venda da "marca Obama". A
mídia de todas as tendências o
elogia por organizar um "exército" que não contribui nada
para as políticas do seu futuro
governo, só espera instruções
de como apoiar sua agenda, seja
ela qual for.
Esse modelo é, muito claramente, não-democrático, mas
um tipo de ditadura por escolha, uma construção política na
qual o público -"observadores
intrusos e ignorantes"- são
"espectadores da ação", não
"participantes", conforme o defendido por teóricos progressistas da democracia [nesse caso, o analista político Walter
Lippmann, 1889-1974].
FOLHA - Qual sua opinião sobre as
primeiras indicações do gabinete
obamista, gente como Hillary Clinton no Estado, Robert Gates permanecendo na Defesa, Timothy Geithner no Tesouro? Era esse tipo de mudança que o sr. esperava?
CHOMSKY - Eu não esperava
muito, mas fiquei surpreso que
as escolhas de Obama causassem tamanho desdém em seus
eleitores.
Suas seleções estão tão inclinadas para a "não-mudança" e
a "não-esperança" que Obama
se sentiu obrigado a convocar
uma entrevista coletiva, onde
ele explicou que o seu governo
será baseado na experiência e
na visão: seu gabinete entrará
com a experiência, ele dará a visão. Isso deve confortar os incréus.
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