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UMA VISÃO ÁRABE
Ariel Sharon, um ilusionista
RAMI G. KHOURI
DA AGENCE GLOBAL, EM BEIRUTE
A saúde de Ariel Sharon parece
finalmente ter posto fim à carreira
política ativa de um homem largamente saudado no Ocidente
como "pacificador" ousado e inovador. A visão que se tem dele no
mundo árabe é consideravelmente diferente e bem menos aduladora. Em sua vida política, diferentemente de suas escapadas militares, Sharon, quando não conseguiu forjar estratégias e políticas bem-sucedidas, frequentemente empregou táticas de brilho
efêmero. Ele era um ilusionista
político que subiu ao palco num
momento em que seu povo precisava do tipo de força emocional e
poder reconfortante que ele possuía, mas ele deixa para trás uma
paisagem confusa, fraturada e incerta, tanto em Israel quanto na
Palestina.
Sharon encerra sua vida pública
tendo manifestamente deixado
de realizar a única coisa que afirma ter sido aquela pela qual lutou
com mais afinco durante toda sua
vida: assegurar a segurança e aceitação de Israel no Oriente Médio.
Em última análise, a confiança
que ele depositou na força militar
e na ousadia tática garantiu momentos de alto teor dramático,
mas foi estrategicamente falha.
Ele não é tanto um homem de
paz quanto um criador de caos,
como seus sucessores no poder
em Israel não tardarão a constatar. Sharon foi hospitalizado na
semana passada durante um episódio de política externa que
constitui um testemunho ironicamente chocante da combinação
mortífera de seu amadorismo político e da confiança que ele depositava no emprego da força. Ele
estava freneticamente, quase histericamente recriando no norte
da faixa de Gaza o mesmo tipo de
"zona de segurança" que se mostrou um fracasso colossal quando
ele a experimentou no sul do Líbano, mais de duas décadas atrás.
Em 1982, o Exército israelense,
sob seu comando, ocupou boa
parte do sul do Líbano, onde permaneceu até 2000, recorrendo a
todas as combinações possíveis
de força bruta, intimidação política, forças libanesas que agiam em
seu nome e amplas e irrestritas
medidas punitivas, morte e destruição para reprimir uma população libanesa que rejeitava a ocupação pelo Exército israelense. Israel finalmente retirou suas forças
unilateralmente, na primavera de
2000. Sharon nunca aprendeu a lição do sul do Líbano: que apenas
um vizinho árabe verdadeiramente livre e soberano pode ser
um vizinho pacífico de Israel.
Sua exageradamente elogiada e
divulgada retirada unilateral da
faixa de Gaza nem propiciou um
avanço no processo de paz com os
palestinos nem trouxe paz e tranquilidade a essa fronteira com Israel. Foi uma retirada de mágico,
um ato de ilusionismo, sendo que
Israel ainda controla muitas dimensões da vida, da movimentação e da economia palestinas na
faixa de Gaza. Sua construção do
muro de separação que vem isolando cada vez mais algumas comunidades palestinas, incluindo
Belém e Jerusalém Oriental, a parte árabe da cidade, vem se somando à ampliação contínua que ele
promoveu dos assentamentos judaicos na Cisjordânia, tendo o
efeito de elevar o ressentimento
palestino a novos níveis -o que,
em última análise, se traduz em
novas formas de resistência.
Incapaz de ou indisposto a aceitar o consenso global de que, em
última análise, Israel deve retirar-se de todos os territórios ocupados em 1967, Sharon jogou por
terra as negociações de território
por paz que estavam levando à solução de dois Estados. Ele substituiu essa abordagem por seu unilateralismo próprio: a construção
da barreira de separação, a retirada de Gaza, o assassinato constante de militantes políticos e o hábito de decidir quando e se os palestinos podiam ser incluídos em
discussões políticas.
Sharon se negou a tratar com
Iasser Arafat, mas depois mostrou que não podia fazer nada
quando se viu diante do recém-eleito presidente palestino, Mahmoud Abbas, que fez sua campanha com base na plataforma de
pôr fim à resistência armada e de
negociar a paz com Israel. Incapaz
de fazer a paz com os palestinos,
ele iludiu os ingênuos americanos. Sharon vendeu a imagem de
"pacificador" a uma Casa Branca
tão desinformada e beligerante
quanto ele quando se tratava de lidar com os palestinos dentro dos
limites impostos pelas leis internacionais, o que dirá da decência
humana comum.
Ariel Sharon deixa para trás
uma paisagem ensangüentada e
fraturada, definida pela tensão e
os confrontos com os palestinos, e
a confusão no seio da sociedade
israelense. Isso acontece porque,
em última análise, suas políticas
mostraram ser mais bravatas do
que coragem real, baseada na honestidade.
Durante o último quarto de século ele ocupou cargos que definiram as políticas israelenses de defesa, segurança e ocupação, a ampliação dos assentamentos israelenses e, mais recentemente, a política externa global.
Ele empregou esse tempo para
gerar comunidades palestinas
fragmentadas, com freqüência
destituídas de líderes, compostas
de palestinos comuns irados e revoltados.
O trabalho que fez em sua vida
agora se voltou contra ele sob diversas formas, incluindo a situação de anarquia vigente em muitas partes da Palestina, uma liderança palestina fraca e desacreditada, a incerteza em relação ao
status futuro da faixa de Gaza, a
grande probabilidade de o Hamas
e outros setores islâmicos se saírem muito bem nas eleições parlamentares palestinas deste mês e,
por fim, o aumento do sentimento antiisraelense em todo o mundo árabe e mesmo fora dele.
Se a medida de um homem é
dada pelos resultados do trabalho
de sua vida, então Ariel Sharon,
nesta semana, deve ser visto como
um grande promotor do caos, da
confusão, da incerteza e do medo.
Encerrar esse legado numa estratégia que leva uma nação inteira a
tentar retirar-se atrás de uma muralha não apenas constitui um
fracasso político grande e duradouro, como também uma grande tragédia humana envolvendo
guerreiros audaciosos que não
conseguiram parar de guerrear e
que, quando as rédeas do poder
lhes foram entregues, se voltaram
a truques de ilusionismo.
Rami G. Khouri é editor-chefe do jornal
"Daily Star", de Beirute, publicado em todo o Oriente Médio juntamente com o
"International Herald Tribune".
Tradução de Clara Allain
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