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IRAQUE SOB TUTELA
Segundo secretário-assistente da Defesa de Reagan, conflito iraquiano tornou o mundo menos seguro
"Iraque é o maior erro desde Vietnã", diz Korb
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A Guerra do Iraque foi o maior
erro estratégico dos EUA desde a
do Vietnã, tornou o mundo menos seguro e ocorreu em razão de
uma mistura explosiva de ideólogos que queriam depor o ex-ditador Saddam Hussein com um
presidente, George W. Bush, que
"não tem uma sólida formação
em política externa e em história".
A análise é de Lawrence Korb,
ex-secretário-assistente da Defesa
dos EUA (1981-85, no primeiro
mandato do presidente Ronald
Reagan), diretor do Council on
Foreign Relations, reputado
"think tank" americano, e autor
de "American National Security".
Folha - Quatro anos depois do início da guerra ao terror, os EUA são
um país mais seguro?
Lawrence Korb - Não. Antes de
tudo devo dizer que não se trata
de uma guerra contra o terrorismo, como diz o governo dos EUA,
mas de uma guerra contra um
grupo de jihadistas radicais. Não
estamos combatendo o terrorismo, que é uma tática, nem todos
os terroristas. Assim, não estamos
mais seguros porque, em vez de
perseguirmos os jihadistas, tomamos um atalho que nos levou ao
Iraque e transformou o país num
local de recrutamento para Osama bin Laden e para a Al Qaeda.
Folha - A Guerra do Iraque foi,
portanto, um grave erro?
Korb - Sem dúvida. Os terroristas estão conseguindo não só aliciar mais recrutas mas também
treiná-los no que, para eles, é o
melhor campo de treinamento
possível. E eles poderão usar esse
treinamento
quando se espalharem pela Europa ou por outros
lugares.
Com o conflito
iraquiano, os EUA
tampouco podem
contar com sua
Guarda Nacional
para tomar conta
das coisas caso algo grave aconteça
em seu território,
pois boa parte de
seus membros está no Iraque. Ademais, não estamos
gastando o suficiente com a segurança interna, pois
uma parcela enorme de fundos é
gasta no Iraque.
Folha - Qual é a
solução?
Korb - Precisamos estabelecer
um cronograma de retirada das
tropas do Iraque. Dois anos seriam um tempo suficientemente
longo para que as forças de segurança iraquianas estejam preparadas para tomar conta de seu território. Não podemos esquecer
que a presença de forças americanas no Iraque agrava o problema,
já que a insurgência não luta para
propagar o jihadismo radical pelo
planeta, mas para pôr fim à ocupação. É claro que
há terroristas estrangeiros no
país, mas eles ficarão muito enfraquecidos sem a
insurgência.
Folha - É possível
conter a propagação do jihadismo?
Korb - Creio que
sim. Para tanto, é
preciso trabalhar
com outros países
para exaurir as
fontes de financiamento do terrorismo internacional, para compartilhar informações, para evitar
que Estados fracos ou fracassados
se tornem um
abrigo para os jihadistas. Contudo
mais importante é
fazer uma campanha de diplomacia pública para
desmascarar as mentiras que eles
tentam difundir por meio de sua
propaganda anti-Ocidente.
Folha - Ante outros erros dos EUA,
quão grave é a Guerra do Iraque?
Korb - Trata-se do maior erro estratégico cometido pelos EUA
desde a Guerra do Vietnã.
Folha - Por que o governo decidiu
travar a guerra apesar das críticas?
Korb - Porque as autoridades se
deixaram levar pelo sucesso no
Afeganistão, onde
o regime do Taleban foi deposto
em semanas e a
população apoiou
os EUA. Com isso,
as autoridades
americanas passaram a crer que
seus soldados seriam recebidos como libertadores
pela população
iraquiana e que a
ação seria fácil.
Os dirigentes
americanos também passaram a
acreditar que exilados iraquianos
seriam ser recebidos pela população local como libertadores e que
Saddam possuía
armas de destruição em massa e
nutrisse relações
com a rede Al Qaeda. Hoje sabemos que tudo não passava de uma
fantasia da cabeça de três ou quatro altos funcionários do governo
dos EUA.
Qualquer especialista sério sabia que isso não era verdade. Os
relatórios sobre as supostas armas
de destruição em massa de Saddam foram terrivelmente exagerados. É quase inacreditável que
essa tese tenha sido "comprada"
pelos americanos.
Folha - Como a
maior potência do
planeta pode cometer um erro estratégico assim?
Korb - Houve
uma combinação
de estrategistas e
de ideólogos que
queriam depor
Saddam com um
presidente que
não tem uma sólida formação em
política externa e
em história.
O simples fato
de ele ter usado
inúmeras vezes a
palavra "cruzada"
denota sua falta
de entendimento
da situação.
Obviamente, tudo isso só tornou
as coisas piores no
Iraque. Tomemos
o Afeganistão como exemplo. Tínhamos a anuência da ONU para fazer a guerra e
enviamos um ultimato ao Taleban, dizendo que, se ele nos entregasse Bin Laden e seus asseclas,
não atacaríamos o país. Só atacamos porque a cúpula do Taleban
se recusou a entregar a Al Qaeda.
Ademais, conseguimos a cooperação dos vizinhos do Afeganistão mostrando-lhes que não
queríamos apenas travar uma
guerra sem sentido e que poria
em risco a estabilidade regional
-o que se trata do maior problema em relação ao Iraque.
Afinal, temos afirmado que estabeleceremos uma democracia
no Iraque e que ela se espalhará
pelo Oriente Médio. Ora, isso significa pôr em xeque a estabilidade
política dos países vizinhos, nos
quais não existe democracia.
Quando percebe que algo põe em
risco sua permanência no poder,
um governante não tem o menor
interesse em colaborar.
Folha - Não se pode deduzir que
Washington pensou que a Arábia
Saudita não fosse uma aliada confiável e que fosse preciso estabelecer uma nova base na região?
Korb - O problema é que não há
uma política energética que permita que os EUA sejam tão independentes da Arábia Saudita
quanto gostariam de ser. É ótimo
que Washington fale da restrição
aos direitos humanos na Arábia
Saudita etc., mas há uma diferença abismal entre mencionar o
problema e agir belicamente para
resolvê-lo. Não se muda uma sociedade "manu militari". Precisamos dar o exemplo e mostrar que
os americanos e os europeus vivem em sociedades mais livres.
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