São Paulo, domingo, 08 de janeiro de 2006

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IRAQUE SOB TUTELA

Segundo secretário-assistente da Defesa de Reagan, conflito iraquiano tornou o mundo menos seguro

"Iraque é o maior erro desde Vietnã", diz Korb

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A Guerra do Iraque foi o maior erro estratégico dos EUA desde a do Vietnã, tornou o mundo menos seguro e ocorreu em razão de uma mistura explosiva de ideólogos que queriam depor o ex-ditador Saddam Hussein com um presidente, George W. Bush, que "não tem uma sólida formação em política externa e em história".
A análise é de Lawrence Korb, ex-secretário-assistente da Defesa dos EUA (1981-85, no primeiro mandato do presidente Ronald Reagan), diretor do Council on Foreign Relations, reputado "think tank" americano, e autor de "American National Security".

 

Folha - Quatro anos depois do início da guerra ao terror, os EUA são um país mais seguro?
Lawrence Korb -
Não. Antes de tudo devo dizer que não se trata de uma guerra contra o terrorismo, como diz o governo dos EUA, mas de uma guerra contra um grupo de jihadistas radicais. Não estamos combatendo o terrorismo, que é uma tática, nem todos os terroristas. Assim, não estamos mais seguros porque, em vez de perseguirmos os jihadistas, tomamos um atalho que nos levou ao Iraque e transformou o país num local de recrutamento para Osama bin Laden e para a Al Qaeda.

Folha - A Guerra do Iraque foi, portanto, um grave erro?
Korb -
Sem dúvida. Os terroristas estão conseguindo não só aliciar mais recrutas mas também treiná-los no que, para eles, é o melhor campo de treinamento possível. E eles poderão usar esse treinamento quando se espalharem pela Europa ou por outros lugares.
Com o conflito iraquiano, os EUA tampouco podem contar com sua Guarda Nacional para tomar conta das coisas caso algo grave aconteça em seu território, pois boa parte de seus membros está no Iraque. Ademais, não estamos gastando o suficiente com a segurança interna, pois uma parcela enorme de fundos é gasta no Iraque.

Folha - Qual é a solução?
Korb -
Precisamos estabelecer um cronograma de retirada das tropas do Iraque. Dois anos seriam um tempo suficientemente longo para que as forças de segurança iraquianas estejam preparadas para tomar conta de seu território. Não podemos esquecer que a presença de forças americanas no Iraque agrava o problema, já que a insurgência não luta para propagar o jihadismo radical pelo planeta, mas para pôr fim à ocupação. É claro que há terroristas estrangeiros no país, mas eles ficarão muito enfraquecidos sem a insurgência.

Folha - É possível conter a propagação do jihadismo?
Korb -
Creio que sim. Para tanto, é preciso trabalhar com outros países para exaurir as fontes de financiamento do terrorismo internacional, para compartilhar informações, para evitar que Estados fracos ou fracassados se tornem um abrigo para os jihadistas. Contudo mais importante é fazer uma campanha de diplomacia pública para desmascarar as mentiras que eles tentam difundir por meio de sua propaganda anti-Ocidente.

Folha - Ante outros erros dos EUA, quão grave é a Guerra do Iraque?
Korb -
Trata-se do maior erro estratégico cometido pelos EUA desde a Guerra do Vietnã.

Folha - Por que o governo decidiu travar a guerra apesar das críticas?
Korb -
Porque as autoridades se deixaram levar pelo sucesso no Afeganistão, onde o regime do Taleban foi deposto em semanas e a população apoiou os EUA. Com isso, as autoridades americanas passaram a crer que seus soldados seriam recebidos como libertadores pela população iraquiana e que a ação seria fácil.
Os dirigentes americanos também passaram a acreditar que exilados iraquianos seriam ser recebidos pela população local como libertadores e que Saddam possuía armas de destruição em massa e nutrisse relações com a rede Al Qaeda. Hoje sabemos que tudo não passava de uma fantasia da cabeça de três ou quatro altos funcionários do governo dos EUA.
Qualquer especialista sério sabia que isso não era verdade. Os relatórios sobre as supostas armas de destruição em massa de Saddam foram terrivelmente exagerados. É quase inacreditável que essa tese tenha sido "comprada" pelos americanos.

Folha - Como a maior potência do planeta pode cometer um erro estratégico assim?
Korb -
Houve uma combinação de estrategistas e de ideólogos que queriam depor Saddam com um presidente que não tem uma sólida formação em política externa e em história.
O simples fato de ele ter usado inúmeras vezes a palavra "cruzada" denota sua falta de entendimento da situação.
Obviamente, tudo isso só tornou as coisas piores no Iraque. Tomemos o Afeganistão como exemplo. Tínhamos a anuência da ONU para fazer a guerra e enviamos um ultimato ao Taleban, dizendo que, se ele nos entregasse Bin Laden e seus asseclas, não atacaríamos o país. Só atacamos porque a cúpula do Taleban se recusou a entregar a Al Qaeda.
Ademais, conseguimos a cooperação dos vizinhos do Afeganistão mostrando-lhes que não queríamos apenas travar uma guerra sem sentido e que poria em risco a estabilidade regional -o que se trata do maior problema em relação ao Iraque.
Afinal, temos afirmado que estabeleceremos uma democracia no Iraque e que ela se espalhará pelo Oriente Médio. Ora, isso significa pôr em xeque a estabilidade política dos países vizinhos, nos quais não existe democracia. Quando percebe que algo põe em risco sua permanência no poder, um governante não tem o menor interesse em colaborar.

Folha - Não se pode deduzir que Washington pensou que a Arábia Saudita não fosse uma aliada confiável e que fosse preciso estabelecer uma nova base na região?
Korb -
O problema é que não há uma política energética que permita que os EUA sejam tão independentes da Arábia Saudita quanto gostariam de ser. É ótimo que Washington fale da restrição aos direitos humanos na Arábia Saudita etc., mas há uma diferença abismal entre mencionar o problema e agir belicamente para resolvê-lo. Não se muda uma sociedade "manu militari". Precisamos dar o exemplo e mostrar que os americanos e os europeus vivem em sociedades mais livres.


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