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ARTIGO
Uma guerra sem vencedores
Falta de interlocução entre Israel e Hamas provocou fim da trégua que poderia beneficiar israelenses e palestinos; hoje, os dois lados não sabem como sair do conflito
ROBERT MALLEY
Uma guerra que nem Israel e
nem o Hamas desejavam agora
se metamorfoseou em guerra
que os dois estão resolvidos a
manter. O cessar-fogo que existia antes do conflito não era
perfeito; longe disso. Israel sofria ataques intermitentes de
foguetes e estava ciente de que
o inimigo aproveitava a trégua
para reforçar seu arsenal.
O Hamas vem sofrendo um
embargo econômico severo, o
que prejudicou sua esperança
de governar Gaza. Um compromisso parecia estar ao alcance:
o fim dos ataques provenientes
de Gaza em troca da abertura
dos pontos de travessia de fronteira entre Gaza, Israel e o Egito. Mas a falta de contato entre
os dois protagonistas, a desconfiança recíproca e, sobretudo, a
ausência de um mediador eficaz cooperaram para o resultado: um conflito do qual as partes esperam extrair ganhos e
cujas vantagens lhes parecem
superiores aos custos.
Para o Hamas, prolongar a
trégua parecia vantajoso, mas
apenas se ela fosse renegociada. A calma relativa permitia ao
movimento consolidar seu domínio sobre Gaza. Mas o cerco
jamais foi suspenso. Os dirigentes islâmicos se viam em uma
situação desconfortável: como
explicar uma trégua que em nada melhorava a vida cotidiana
dos cidadãos de Gaza?
Com a aproximação da data
em que expiraria o acordo de
trégua, os disparos de foguetes
do Hamas contra Israel se intensificaram, uma mensagem
de que estava disposto a usar a
violência para forçar Israel a
abrir as fronteiras. A resposta
israelense deve ter chocado os
militantes do Hamas por sua
intensidade. Mas o ataque mesmo não deve ter sido surpresa.
E o Hamas conta colher os
benefícios políticos das pesadas perdas sofridas. A vitória
consistiria em resistir aos ataques do adversário. O Hamas já
pode se vangloriar de ter sido a
primeira força palestina a resistir a um ataque israelense
em território nacional.
Israel também via o cessar-fogo de maneira relativamente
positiva, se bem que com
apreensões. O Hamas estava
acumulando foguetes de alcance mais longo; o cabo Shalit, detido em 2006, continuava prisioneiro; e os ataques vindos de
Gaza continuavam a acontecer
esporadicamente. O país era
capaz de suportar tudo isso,
mas o mesmo não se aplica à escalada das agressões que aconteceu depois do final da trégua.
Até os israelenses mais céticos
quanto a uma vasta operação
militar mudaram de ideia.
Se uma invasão não era inevitável, depois que a guerra começou ela se tornou inexorável. A vitória militar não poderia ser obtida só com bombardeios aéreos e Israel concebia
uma vitória na guerra terrestre,
ao contrário do caso libanês.
Impasses
Mas e depois? Até onde Israel irá? Se o objetivo é neutralizar toda a capacidade militar
do Hamas, impedir a organização de alegar vitória e negar-lhe
qualquer legitimidade, os militares israelenses terão de penetrar na área urbana de Gaza. E
quem governaria a região a seguir? Que outra força, além dos
islâmicos, desfrutaria de qualquer credibilidade? Com certeza não a Autoridade Nacional
Palestina, cuja imagem sofre
abalos a cada dia.
Se a guerra precisa ser concluída antes que a operação israelense se transforme em
aventura incerta não resta alternativa que não uma intervenção internacional urgente.
Dos EUA, não se pode esperar
muito, ao menos antes da posse
de Barack Obama. Resta a Europa, especialmente a França,
que com o presidente Sarkozy
exibe um bem-vindo ativismo.
Os contornos de uma solução
são conhecidos: uma cessação
imediata das hostilidades seguida de um cessar-fogo duradouro; o envio de uma força
multinacional para fiscalizar
seu cumprimento; medidas de
contenção do contrabando na
fronteira egípcia; e abertura de
Gaza ao Egito e a Israel sob um
mecanismo que inclua os países fronteiriços, a UE, a Autoridade Palestina e o Hamas.
Não faltará quem critique.
Ordenar uma trégua imediata,
dirão, não fará mais que postergar a solução dos problemas
que resultaram na crise. Fato.
O cessar-fogo eventual terá de
satisfazer as necessidades de
segurança israelenses e as expectativas palestinas de que o
cerco à região seja levantado.
Mas esperar até que tudo isso
seja aceito envolveria enormes
riscos, de perdas humanas e danos políticos (descrédito das
forças ditas "moderadas" e do
suposto processo de paz).
Papel do Hamas
Ainda outros criticarão o reconhecimento do papel do Hamas em Gaza. Mas isso é aceitar
a realidade política. Os moradores de Gaza e do sul de Israel
não terão calma enquanto o
mundo se recusar a dialogar
com o movimento islâmico e
enquanto este ignorar suas
obrigações internacionais.
Em troca da suspensão dos
ataques a partir de Gaza e de
um regime de segurança reforçado, a comunidade internacional deve reconhecer o direito
do Hamas a exercer o poder.
A história dos dois últimos
anos em Gaza representa uma
bancarrota coletiva: de parte do
Hamas, que perdeu a ocasião de
agir como protagonista político
responsável; de Israel, que se
apegou a uma política cujo objetivo era isolar e enfraquecer o
movimento e produziu o resultado oposto; da direção da Autoridade Palestina, que se recusou a aceitar a vitória eleitoral
do Hamas e passou a agir como
representante de uma facção
do povo contra a outra; e por
fim da comunidade internacional, que exigiu que o Hamas se
transforme em partido político
sem incentivá-lo a isso, e que
descobriu tarde as virtudes da
unidade palestina, depois de
anos dedicados a solapá-la.
Dialogar prudentemente
com o Hamas, reconhecer seu
papel em Gaza e nos postos de
fronteira: isso talvez constitua
uma "vitória" para o grupo.
Mas é a consequência de um
embargo irrefletido que jamais
deveria ter sido imposto. Além
disso, se um acordo ajudar a
pôr fim aos disparos de foguetes e permitir que os israelenses vivam mais normalmente,
ele constituiria uma vitória para Israel e, ainda mais, para os
civis dos dois lados, que são os
únicos a pagar o preço.
ROBERT MALLEY é diretor do programa do
Oriente Médio no International Crisis Group e foi
conselheiro do presidente americano Bill Clinton
para assuntos árabe-israelenses. Este artigo foi
publicado pelo "Monde"
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