São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2009

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ARTIGO

Uma guerra sem vencedores

Falta de interlocução entre Israel e Hamas provocou fim da trégua que poderia beneficiar israelenses e palestinos; hoje, os dois lados não sabem como sair do conflito

ROBERT MALLEY

Uma guerra que nem Israel e nem o Hamas desejavam agora se metamorfoseou em guerra que os dois estão resolvidos a manter. O cessar-fogo que existia antes do conflito não era perfeito; longe disso. Israel sofria ataques intermitentes de foguetes e estava ciente de que o inimigo aproveitava a trégua para reforçar seu arsenal.
O Hamas vem sofrendo um embargo econômico severo, o que prejudicou sua esperança de governar Gaza. Um compromisso parecia estar ao alcance:
o fim dos ataques provenientes de Gaza em troca da abertura dos pontos de travessia de fronteira entre Gaza, Israel e o Egito. Mas a falta de contato entre os dois protagonistas, a desconfiança recíproca e, sobretudo, a ausência de um mediador eficaz cooperaram para o resultado: um conflito do qual as partes esperam extrair ganhos e cujas vantagens lhes parecem superiores aos custos.
Para o Hamas, prolongar a trégua parecia vantajoso, mas apenas se ela fosse renegociada. A calma relativa permitia ao movimento consolidar seu domínio sobre Gaza. Mas o cerco jamais foi suspenso. Os dirigentes islâmicos se viam em uma situação desconfortável: como explicar uma trégua que em nada melhorava a vida cotidiana dos cidadãos de Gaza?
Com a aproximação da data em que expiraria o acordo de trégua, os disparos de foguetes do Hamas contra Israel se intensificaram, uma mensagem de que estava disposto a usar a violência para forçar Israel a abrir as fronteiras. A resposta israelense deve ter chocado os militantes do Hamas por sua intensidade. Mas o ataque mesmo não deve ter sido surpresa.
E o Hamas conta colher os benefícios políticos das pesadas perdas sofridas. A vitória consistiria em resistir aos ataques do adversário. O Hamas já pode se vangloriar de ter sido a primeira força palestina a resistir a um ataque israelense em território nacional.
Israel também via o cessar-fogo de maneira relativamente positiva, se bem que com apreensões. O Hamas estava acumulando foguetes de alcance mais longo; o cabo Shalit, detido em 2006, continuava prisioneiro; e os ataques vindos de Gaza continuavam a acontecer esporadicamente. O país era capaz de suportar tudo isso, mas o mesmo não se aplica à escalada das agressões que aconteceu depois do final da trégua.
Até os israelenses mais céticos quanto a uma vasta operação militar mudaram de ideia.
Se uma invasão não era inevitável, depois que a guerra começou ela se tornou inexorável. A vitória militar não poderia ser obtida só com bombardeios aéreos e Israel concebia uma vitória na guerra terrestre, ao contrário do caso libanês.

Impasses
Mas e depois? Até onde Israel irá? Se o objetivo é neutralizar toda a capacidade militar do Hamas, impedir a organização de alegar vitória e negar-lhe qualquer legitimidade, os militares israelenses terão de penetrar na área urbana de Gaza. E quem governaria a região a seguir? Que outra força, além dos islâmicos, desfrutaria de qualquer credibilidade? Com certeza não a Autoridade Nacional Palestina, cuja imagem sofre abalos a cada dia.
Se a guerra precisa ser concluída antes que a operação israelense se transforme em aventura incerta não resta alternativa que não uma intervenção internacional urgente.
Dos EUA, não se pode esperar muito, ao menos antes da posse de Barack Obama. Resta a Europa, especialmente a França, que com o presidente Sarkozy exibe um bem-vindo ativismo.
Os contornos de uma solução são conhecidos: uma cessação imediata das hostilidades seguida de um cessar-fogo duradouro; o envio de uma força multinacional para fiscalizar seu cumprimento; medidas de contenção do contrabando na fronteira egípcia; e abertura de Gaza ao Egito e a Israel sob um mecanismo que inclua os países fronteiriços, a UE, a Autoridade Palestina e o Hamas.
Não faltará quem critique.
Ordenar uma trégua imediata, dirão, não fará mais que postergar a solução dos problemas que resultaram na crise. Fato.
O cessar-fogo eventual terá de satisfazer as necessidades de segurança israelenses e as expectativas palestinas de que o cerco à região seja levantado.
Mas esperar até que tudo isso seja aceito envolveria enormes riscos, de perdas humanas e danos políticos (descrédito das forças ditas "moderadas" e do suposto processo de paz).

Papel do Hamas
Ainda outros criticarão o reconhecimento do papel do Hamas em Gaza. Mas isso é aceitar a realidade política. Os moradores de Gaza e do sul de Israel não terão calma enquanto o mundo se recusar a dialogar com o movimento islâmico e enquanto este ignorar suas obrigações internacionais.
Em troca da suspensão dos ataques a partir de Gaza e de um regime de segurança reforçado, a comunidade internacional deve reconhecer o direito do Hamas a exercer o poder.
A história dos dois últimos anos em Gaza representa uma bancarrota coletiva: de parte do Hamas, que perdeu a ocasião de agir como protagonista político responsável; de Israel, que se apegou a uma política cujo objetivo era isolar e enfraquecer o movimento e produziu o resultado oposto; da direção da Autoridade Palestina, que se recusou a aceitar a vitória eleitoral do Hamas e passou a agir como representante de uma facção do povo contra a outra; e por fim da comunidade internacional, que exigiu que o Hamas se transforme em partido político sem incentivá-lo a isso, e que descobriu tarde as virtudes da unidade palestina, depois de anos dedicados a solapá-la.
Dialogar prudentemente com o Hamas, reconhecer seu papel em Gaza e nos postos de fronteira: isso talvez constitua uma "vitória" para o grupo.
Mas é a consequência de um embargo irrefletido que jamais deveria ter sido imposto. Além disso, se um acordo ajudar a pôr fim aos disparos de foguetes e permitir que os israelenses vivam mais normalmente, ele constituiria uma vitória para Israel e, ainda mais, para os civis dos dois lados, que são os únicos a pagar o preço.


ROBERT MALLEY é diretor do programa do Oriente Médio no International Crisis Group e foi conselheiro do presidente americano Bill Clinton para assuntos árabe-israelenses. Este artigo foi publicado pelo "Monde"


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