São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2009

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ARTIGO

O Irã como Estado máximo do confronto

THOMAS L. FRIEDMAN
DO "NEW YORK TIMES"

É doloroso assistir aos combates, mortes e destruição na faixa de Gaza. Mas já é tudo familiar demais. É a versão mais recente da peça há mais tempo em cartaz no Oriente Médio moderno. Se eu tivesse que dar um título a ela, seria: "Quem é o dono deste hotel? Os judeus podem ter um quarto aqui?
Não deveríamos explodir o bar e pôr uma mesquita no lugar?".
Ou seja, a faixa de Gaza é uma miniversão dos três grandes conflitos que se desenrolam desde 1948: 1) Quem será a superpotência regional? 2) Deve haver um Estado judaico no Oriente Médio, e, se sim, em que termos palestinos? 3) Quem vai dominar a sociedade árabe -islâmicos intolerantes que querem sufocar a modernidade ou modernistas que querem abraçar o futuro com rosto árabe-muçulmano?

O dono do hotel
A luta pela hegemonia no mundo árabe moderno é tão velha quanto o Egito de Nasser.
O que é novo é o fato de o Irã, não-árabe, buscar a primazia, desafiando Egito e Arábia Saudita. Teerã usa sua ajuda militar ao Hamas e ao Hizbollah para criar uma força com foguetes nas fronteiras norte e oeste de Israel, o que lhe possibilita suspender e reiniciar o conflito israelo-palestino quando quiser e retratar-se como o protetor dos palestinos, em oposição aos regimes árabes fracos.
"A faixa de Gaza que Israel deixou em 2005 fazia fronteira com o Egito. A faixa de Gaza à qual Israel acaba de retornar faz fronteira com o Irã", disse Mamoun Fandy, diretor de programas de Oriente Médio no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. "O Irã virou o Estado máximo do confronto. Não sei se ainda podemos falar em "paz árabe-israelense" ou "iniciativa árabe de paz". É possível que tenhamos uma "iniciativa iraniana"." Toda a noção de processo de paz árabe-israelense terá que mudar.

Um quarto para os judeus
O Hamas rejeita reconhecer Israel. Já a Autoridade Nacional Palestina, liderada pelo Fatah, reconheceu Israel -e vice-versa. Se, para você, a única solução estável é uma que envolva dois Estados, com os palestinos ficando com toda a Cisjordânia, a faixa de Gaza e os setores árabes de Jerusalém Oriental, você só pode torcer pelo enfraquecimento do Hamas.
Por quê? Porque nada tem prejudicado mais os palestinos que a estratégia de culto à morte do Hamas de converter jovens em homens-bomba. Pois nada seria um revés maior a um acordo de paz do que se o chamado do Hamas pela substituição de Israel por um Estado islâmico se tornasse a posição palestina nas negociações. E porque os ataques do Hamas ao sul de Israel estão destruindo a solução de dois Estados, mais que os insensatos assentamentos de Israel na Cisjordânia.
Israel já comprovou que se dispõe a retirar assentamentos, como fez em Gaza. Os ataques de foguete do Hamas representam uma ameaça irreversível.
Eles dizem a Israel: "A partir da faixa de Gaza, podemos atingir o sul de Israel. Se ficarmos com a Cisjordânia, poderemos atingir com foguetes -logo, fechar- o aeroporto de Israel a qualquer momento." Quantos israelenses vão querer correr o risco de abrir mão da Cisjordânia, diante dessa nova ameaça?

Bar ou mesquita
A derrubada pelo Hamas da organização Fatah, mais secular, na faixa de Gaza em 2007 faz parte de uma guerra civil em âmbito regional que opõe islâmicos a modernistas.
Na semana em que Israel vem dividindo a faixa de Gaza em fatias, homens-bomba islâmicos já mataram quase cem iraquianos. Essas chacinas cometidas sem provocação não geraram nenhum protesto na Europa ou no Oriente Médio.
A faixa de Gaza é hoje, basicamente, o marco zero de todos esses três conflitos, disse Martin Indyk, ex-assessor de Bill Clinton para o Oriente Médio e que acaba de publicar o incisivo, "Innocent Abroad: An Intimate Account of American Diplomacy in the Middle East" [Inocente lá fora: um relato íntimo da diplomacia americana para o Oriente Médio]. "Este pedacinho de terra, a faixa de Gaza, tem o potencial de colocar essas três questões a nu e criar um problema enorme para Barack Obama."
O grande potencial de Obama para os EUA, observou Indyk, é também uma grande ameaça aos radicais islâmicos -pois sua história exerce atração enorme sobre os árabes. Há oito anos o Hamas, o Hizbollah e a Al Qaeda vêm surfando a crista da onda do ressentimento contra os EUA gerada por George W. Bush. E essa onda ampliou em muito a base deles.
Hamas, Hizbollah e Al Qaeda devem sem dúvida estar torcendo para poderem usar o conflito na faixa de Gaza para converter Obama em Bush.
Eles sabem que Barack Hussein Obama precisa ser "embushcado" para manter a América e seus aliados árabes na defensiva. Obama precisa manter os olhos fixos sobre o prêmio.
Sua meta -a meta da América- tem que ser um acordo na faixa de Gaza que elimine a ameaça dos foguetes do Hamas e abra o território economicamente ao mundo, sob supervisão internacional digna de crédito. É isso que vai atender aos interesses americanos, moderar os três grandes conflitos e fazer Obama ganhar respeito.


Tradução de CLARA ALLAIN


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