|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Cristina ignora lei e demite presidente de BC por decreto
Legislação prevê que exoneração tem de ser aprovada por comissão do Senado
Chefe do Banco Central discordava de criação de fundo para pagar dívida com reservas da instituição e se negou a deixar cargo
SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES
A presidente da Argentina,
Cristina Kirchner, decidiu ontem remover de seu cargo, por
decreto, o presidente do Banco
Central, Martín Redrado.
De acordo com a legislação
argentina, o Executivo não tem
autonomia para demitir o titular do Banco Central sem a
anuência do Congresso.
Uma comissão do Senado,
presidida por Julio Cobos -o
vice de Cristina, que está rompido com ela desde meados de
2008 e aspira à sua sucessão-,
deveria avalizar a decisão.
Cobos havia pedido a convocação extraordinária do Congresso, em recesso, para dirimir
o impasse institucional criado
anteontem, quando Cristina
exigiu a renúncia de Redrado,
que se recusou a deixar o cargo.
O vice-presidente da República queria que o Parlamento
interrompesse seu descanso
para avaliar se é legítimo ou
não o decreto de Cristina que
originou o atrito entre a Casa
Rosada e o Banco Central.
Trata-se de um decreto de
necessidade e urgência (o equivalente à medida provisória
brasileira), publicado no último dia 15, que determina a criação de um fundo de US$ 6,5 bilhões com reservas do Banco
Central, para o pagamento da
dívida pública argentina.
Redrado discorda da medida.
Diante da resistência dele em
cumpri-la, Cristina pediu anteontem sua renúncia. Ele se
negou a deixar o cargo; seu
mandato iria até setembro.
Como sinal do caráter excepcional do decreto de remoção
do presidente do Banco Central, a assinatura de Cristina é
acompanhada por todos os ministros de seu gabinete.
Advogados constitucionalistas avaliam que o decreto é inconstitucional e deveria ficar
sem efeito. O partido PRO
(centro-direita) anunciou que
pedirá que a Justiça anule o ato.
Líderes da oposição cogitam
autoconvocar o Congresso para
discutir o tema e exortaram Redrado a buscar amparo judicial
para permanecer no cargo.
Redrado se entrincheirou no
banco, com advogados. Aníbal
Fernández, chefe de gabinete
de Cristina, descartou a hipótese de insubmissão à ordem presidencial. "Se ele quiser, pode
estudar a validade do decreto
em sua casa ou escritório, mas
não no Banco Central, que terá
de desocupar amanhã [hoje]."
O decreto afasta Redrado sob
a acusação de "incorrer em má
conduta e descumprir os deveres de funcionário público" e
pede a "respectiva denúncia
ante a autoridade policial" ao
procurador do Tesouro. À noite, Redrado disse que entrega o
cargo, mas recorrerá à Justiça.
Voto de Minerva
Se o pedido de remoção de
Redrado fosse submetido à comissão do Senado, como determina a Carta Orgânica do Banco Central, a decisão final ficaria nas mãos de Cobos.
Isso porque os membros da
comissão se dividem igualmente entre o governista Partido
Justicialista e a oposição representada pela UCR (União Cívica Radical). Em tese, haveria
empate na votação, e Cobos teria a tarefa do desempate.
Seria uma circunstância similar à de julho de 2008, em
que Cobos rompeu seu apoio a
Cristina, ao desempatar desfavoravelmente ao governo a votação do projeto de lei sobre o
aumento na taxação sobre a exportação de grãos.
Esse gesto de Cobos lhe rendeu o capital político com o
qual agora postula concorrer à
Presidência em 2011.
Por contrastar com o perfil
de obediência ao governo que
caracterizou sua gestão, a atitude de Redrado suscitou rumores de um acordo de bastidores
com Cobos, visando à eleição.
Cobos interromperá suas férias
no Chile e voltará hoje ao país.
Cristina disse que "não gostaria de ter tomado" a medida
contra Redrado, mas que o fez
porque "o Banco Central deve
funcionar normalmente". Ela
disse que esperava dele "um
exercício mais responsável".
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Congresso conclui projeto de lei para anistia em Honduras Índice
|