São Paulo, sexta-feira, 08 de janeiro de 2010

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Cristina ignora lei e demite presidente de BC por decreto

Legislação prevê que exoneração tem de ser aprovada por comissão do Senado

Chefe do Banco Central discordava de criação de fundo para pagar dívida com reservas da instituição e se negou a deixar cargo


SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, decidiu ontem remover de seu cargo, por decreto, o presidente do Banco Central, Martín Redrado.
De acordo com a legislação argentina, o Executivo não tem autonomia para demitir o titular do Banco Central sem a anuência do Congresso.
Uma comissão do Senado, presidida por Julio Cobos -o vice de Cristina, que está rompido com ela desde meados de 2008 e aspira à sua sucessão-, deveria avalizar a decisão.
Cobos havia pedido a convocação extraordinária do Congresso, em recesso, para dirimir o impasse institucional criado anteontem, quando Cristina exigiu a renúncia de Redrado, que se recusou a deixar o cargo.
O vice-presidente da República queria que o Parlamento interrompesse seu descanso para avaliar se é legítimo ou não o decreto de Cristina que originou o atrito entre a Casa Rosada e o Banco Central.
Trata-se de um decreto de necessidade e urgência (o equivalente à medida provisória brasileira), publicado no último dia 15, que determina a criação de um fundo de US$ 6,5 bilhões com reservas do Banco Central, para o pagamento da dívida pública argentina.
Redrado discorda da medida. Diante da resistência dele em cumpri-la, Cristina pediu anteontem sua renúncia. Ele se negou a deixar o cargo; seu mandato iria até setembro.
Como sinal do caráter excepcional do decreto de remoção do presidente do Banco Central, a assinatura de Cristina é acompanhada por todos os ministros de seu gabinete.
Advogados constitucionalistas avaliam que o decreto é inconstitucional e deveria ficar sem efeito. O partido PRO (centro-direita) anunciou que pedirá que a Justiça anule o ato. Líderes da oposição cogitam autoconvocar o Congresso para discutir o tema e exortaram Redrado a buscar amparo judicial para permanecer no cargo.
Redrado se entrincheirou no banco, com advogados. Aníbal Fernández, chefe de gabinete de Cristina, descartou a hipótese de insubmissão à ordem presidencial. "Se ele quiser, pode estudar a validade do decreto em sua casa ou escritório, mas não no Banco Central, que terá de desocupar amanhã [hoje]."
O decreto afasta Redrado sob a acusação de "incorrer em má conduta e descumprir os deveres de funcionário público" e pede a "respectiva denúncia ante a autoridade policial" ao procurador do Tesouro. À noite, Redrado disse que entrega o cargo, mas recorrerá à Justiça.

Voto de Minerva
Se o pedido de remoção de Redrado fosse submetido à comissão do Senado, como determina a Carta Orgânica do Banco Central, a decisão final ficaria nas mãos de Cobos.
Isso porque os membros da comissão se dividem igualmente entre o governista Partido Justicialista e a oposição representada pela UCR (União Cívica Radical). Em tese, haveria empate na votação, e Cobos teria a tarefa do desempate.
Seria uma circunstância similar à de julho de 2008, em que Cobos rompeu seu apoio a Cristina, ao desempatar desfavoravelmente ao governo a votação do projeto de lei sobre o aumento na taxação sobre a exportação de grãos.
Esse gesto de Cobos lhe rendeu o capital político com o qual agora postula concorrer à Presidência em 2011.
Por contrastar com o perfil de obediência ao governo que caracterizou sua gestão, a atitude de Redrado suscitou rumores de um acordo de bastidores com Cobos, visando à eleição. Cobos interromperá suas férias no Chile e voltará hoje ao país.
Cristina disse que "não gostaria de ter tomado" a medida contra Redrado, mas que o fez porque "o Banco Central deve funcionar normalmente". Ela disse que esperava dele "um exercício mais responsável".


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