São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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RÚSSIA

Megacampeão de xadrez funda movimento político para lutar por uma eleição presidencial "livre e justa" em 2008

Kasparov põe em xeque o regime de Putin

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

É essencial pôr fim ao sistema autoritário controlado pelo presidente Vladimir Putin e por seus ex-colegas da FSB (ex-KGB, a polícia secreta soviética) para reconstruir o sistema democrático russo e para manter os avanços já obtidos, de acordo com Garry Kasparov, 41, o enxadrista mais premiado da história do esporte.
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por e-mail, à Folha.

 

Folha - Por que o sr. decidiu fundar um movimento político?
Garry Kasparov -
A política sempre desempenhou um papel importante em minha vida. Quando eu era jovem, o xadrez, como tudo na URSS, fazia parte do cenário político. Minha sorte era diretamente afetada pelas ações dos burocratas, e, desde cedo, percebi que tinha de ter um papel ativo na política se quisesse controlar meu próprio destino. Desde então, tenho participado de várias iniciativas que visam promover as liberdades e a democracia na Rússia.
Minha atividade atual como presidente da Comissão 2008: Escolha Livre teve origem quando comecei a observar a desintegração da embrionária democracia russa sob o regime autoritário de Putin e de seus ex-colegas da FSB. Senti-me compelido a usar minha posição para tentar resistir aos ataques a nossas instituições e a meus compatriotas.

Folha - Quais são os principais objetivos da comissão?
Kasparov -
O maior objetivo da iniciativa é fazer com que todos, na Rússia e no exterior, tenham consciência do extremo perigo que o regime de Putin representa para a democracia. Além disso, nosso objetivo específico é garantir a realização de uma eleição presidencial livre e justa em 2008. Retirar Putin do poder é essencial para a democracia russa.
O resultado da eleição presidencial de março próximo já está definido por conta da condições atuais da campanha e do país. Putin e seus asseclas controlam totalmente o processo eleitoral. Talvez seja possível que ele vença uma eleição aberta e honesta, porém é certo que isso não será necessário desta vez.

Folha - Como o sr. analisa o controle de Putin sobre a mídia e sobre os empresários?
Kasparov -
Ele já é rígido e torna-se ainda mais forte com o passar do tempo. Reverter esse processo é essencial para reconstruir o sistema democrático da Rússia e para manter os avanços já obtidos. Meios de comunicação e empresas que obedecem a certas regras tácitas recebem benefícios. Os que criticam Putin ou se recusam a apoiá-lo têm problemas, sofrendo ingerência do Estado em seus negócios ou até sendo presos.

Folha - Por que a Tchetchênia não é um tema central da campanha?
Kasparov -
Quando as coisas pareciam ir bem na Tchetchênia, a imprensa veiculava matérias sobre a questão. Contudo, quando as coisas vão mal na república caucasiana, como agora, há um tipo de blecaute. Como a Tchetchênia não é um bom tema para Putin hoje, ninguém toca no assunto. Soldados russos ainda morrem com freqüência na Tchetchênia, e Putin age como se a crise de segurança atual não fosse, em parte, uma criação sua.

Folha - O restante da classe política também é culpado?
Kasparov -
Sem dúvida, mas há exceções. O poder de Putin é tão amplo que é muito arriscado para qualquer político opor-se à situação. Esperamos que, com nosso movimento político, possamos apoiar outras iniciativas e encorajar outras pessoas a falar sobre nossos problemas, lutando pelo futuro da democracia russa.
Ainda tenho obrigações ligadas à minha carreira de enxadrista e a ações caritativas, e 2004 pode tornar-se um ano muito importante para minha carreira. Contudo estou comprometido com essa iniciativa e dedicarei o tempo que for necessário para promovê-la.

Folha - O sr. será candidato a um cargo público no futuro?
Kasparov -
Minha vida ainda será dedicada ao xadrez por alguns anos. Aos 41 anos de idade, estou ficando velho para o mundo do xadrez, porém ainda sou muito jovem para o da política.

Folha - O sr. não teme represálias do Kremlin à sua ação?
Kasparov -
Na Rússia de Putin, qualquer pessoa pode ser perseguida ou presa por conta de suas convicções políticas. Como nossa ação é pública e notória, o que quer que seja feito contra algum membro de nosso movimento também terá de ser público e notório, o que ajuda a nos proteger.



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