São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2009

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Obstáculos à paz, colonos se negam a deixar Cisjordânia

Assentados creem em missão divina e têm em Netanyahu um de seus defensores

"Somos o futuro do povo judeu", diz um dos colonos; construções aumentaram enquanto governo Olmert negociava com palestinos

DO ENVIADO ESPECIAL À CISJORDÂNIA

Cercado de pitorescas colinas e forte presença do Exército israelense, Beit Ein é um dos menores assentamentos judaicos entre as centenas que salpicam o mapa da Cisjordânia. São apenas 150 famílias, todas ultraortodoxas, que vivem à base de agricultura orgânica e inabalável fé religiosa.
"Estamos aqui para cumprir a vontade de Deus", diz, com forte sotaque americano, o fotógrafo Nissan Konikov, 45, que mora há oito anos em Beit Ein com a mulher e os dez filhos. Para ele, qualquer processo de paz é uma inutilidade. "Um dia os palestinos vão aceitar que somos o povo escolhido e que esta é a nossa terra."
Nascido nos Estados Unidos, filho de pai russo e mãe argentina, Konikov representa o lado mais ideológico de uma população que chega perto de 300 mil pessoas, em 120 assentamentos. Embora a maioria esteja na Cisjordânia por ideologia, não é um grupo monolítico.
Muitos foram morar no meio de uma população de 2,3 milhões de palestinos por motivos econômicos, atraídos pelas condições favoráveis oferecidas pelo governo. Mas mesmo entre os menos militantes, a segurança continua em primeiro lugar no momento do voto.
Desempregado há dois meses, o programador de computadores Yoram Edri tem percorrido os assentamentos em campanha para o partido de ultradireita Ichud Leumi (União Nacional). Ele acha que a guerra em Gaza fortaleceu a ocupação israelense da Cisjordânia.
"As pessoas passaram a ver o perigo de ceder terra aos palestinos", diz Edri, que viveu uma situação invertida durante a ofensiva em Gaza. "Nós, que sempre fomos considerados o "front", viramos a retaguarda. Cheguei a receber vários parentes que moram no sul e se refugiaram na minha casa dos foguetes do Hamas."

Obstáculo
Os assentamentos são considerados pelos palestinos, pela esquerda israelense e por boa parte da comunidade internacional como o maior obstáculo a um acordo de paz. Eles começaram a ser construídos logo depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, em que Israel conquistou terras da Jordânia, do Egito e da Síria.
Em 2005, por ordem do então premiê, Ariel Sharon, Israel desmantelou os assentamentos de Gaza e se retirou unilateralmente do território. O sucessor de Sharon, Ehud Olmert, foi eleito prometendo seguir o modelo na Cisjordânia. Mas a ascensão do Hamas em Gaza enterrou a era do unilateralismo.
Voltou-se então à mesa de negociações com a Autoridade Nacional Palestina (ANP) com base no Mapa de Caminho, o plano de paz proposto pelo governo Bush. Um dos principais requisitos era o congelamento dos assentamentos.
Um relatório secreto publicado na semana passada pelo jornal "Haaretz", entretanto, mostrou que os assentamentos continuaram sendo ampliados em terras privadas de palestinos enquanto Olmert negociava com o presidente da ANP, Mahmoud Abbas.
A provável vitória da direita na eleição de terça-feira deve dificultar a ambição de Barack Obama de tirar o processo de paz da paralisia. Binyamin Netanyahu, favorito para ser o próximo primeiro-ministro de Israel, defende os assentamentos e só tem admitido autonomia parcial para os territórios palestinos.
Alheios às críticas internacionais, a maioria dos colonos só espera uma ordem do governo para construir. No assentamento de Beitar Ilit, que abriga quase 40 mil pessoas nas montanhas da Judeia, a prefeitura diz que não houve expansão, mas não nega que essa é a meta.
"Estamos estrangulados", diz o porta-voz da prefeitura, Eliahu Nahe, em referência ao déficit de moradia em relação ao crescimento da população. Apesar das evidências, ele desfaz a impressão de que o governo não coloca freios à colonização da Cisjordânia. "Queremos construir, mas não temos autorização. Quem sabe com o novo primeiro-ministro?"
Deficiente físico, o fotógrafo Nissan percorre com sua cadeira de rodas elétrica as irregulares ruas de Beit Ein com uma de suas filhas nas costas. Questionado sobre como se sente quando assentamentos como o seu são considerados um obstáculo à paz, ele sorri.
"Os assentamentos não são um obstáculo", diz, enquanto acaricia a longa barba. "Eles são o futuro do povo judeu."

(MARCELO NINIO)

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