São Paulo, terça-feira, 08 de fevereiro de 2011

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MINHA HISTÓRIA SHAHIRA AMIN, 51

Fora do ar

Figura emblemática do canal oficial egípcio Nile TV, a âncora Shahira Amin, 51, se demitiu por discordâncias políticas e aderiu aos protestos na praça Tahrir; "segui meu coração"

RESUMO
Desde os anos 90, ShahiraAmin, 51, é o rosto do telejornal em inglês da TV oficial do Egito, a Nile TV. Na quinta passada, a censura bateuà porta. Obrigada a ler no ar comunicados que, diz, distorciam os protestos pela deposição do ditador Hosni Mubarak, ela decidiu pedir demissão. Desde então, passa todos os dias pela praça Tahrir, coração do Cairo e dos protestos.

(...) Depoimento a

GABRIELA MANZINI
DE SÃO PAULO

Minha demissão foi espontânea. Na quinta-feira, eu dirigia para o trabalho, como sempre, quando minha chefe me ligou e perguntou onde é que eu estava, porque eu entraria no ar em breve.
Respondi que estava atrasada, pois havia muitas blitze nas ruas. Mas eu estava de jeans e camiseta, não de blazer, e é claro que não dá para apresentar um jornal assim. Inconscientemente, eu já sabia que não iria trabalhar.
Estacionei meu carro num lugar perto da TV e da praça Tahrir. Quando ouvi os manifestantes, me uni a eles. Da multidão, enviei um SMS ao presidente do canal dizendo: "Perdão, mas estou do lado do povo, e não do regime".
É claro que a TV oficial é a voz do regime, e eu tinha visto os coquetéis molotov, os homens com cavalos e camelos avançando na multidão. Se essas são as táticas do regime, então, não quero ser sua porta-voz. Não houve heroísmo. Segui meu coração.

CENSURA
Eu estava na Nile TV desde o seu início, nos anos 90. Fui correspondente, âncora, e, no ano passado, fui promovida a vice-presidente.
A censura lá nunca havia me incomodado porque, como a transmissão era em inglês, tínhamos mais liberdade, as massas não nos acompanhavam tão de perto. Mas, nos últimos dias, senti minhas mãos atadas.
Primeiro recebemos a ordem de seguir o conteúdo do noticiário em árabe, de não levar ao ar nada que eles não tivessem. Daí recebemos comunicados do Ministério do Interior para ler no ar.
No dia 25 de janeiro, tive de ler um comunicado que dizia que a Irmandade Muçulmana iniciara os protestos, o que não era verdade. Sabíamos que, àquela altura, o grupo dizia que não queria participar. O movimento começou com ativistas jovens.
Na TV egípcia também diziam que os protestos tinham sido impulsionados por estrangeiros. Mas são egípcios que estão lá na praça Tahrir.
Desde o início, senti que era a história sendo escrita. O fato de ser jornalista e não poder ir à praça ouvir os manifestantes fez com que me sentisse incapaz.

PRAÇA
Na praça há gente resiliente, que irá protestar o tempo que for preciso. Os que foram embora querem normalidade. Mas, ao mesmo tempo, elas sabem que temos de aproveitar o momento.
Não há como voltar ao passado, já vimos o regime fazer concessões. Só que a demanda principal, a saída do presidente, não foi cumprida ainda. Mubarak agora está deixando a raiva passar, torcendo para que se cansem.
Mas eu acho que as pessoas resistirão mais semanas, meses. Mubarak planeja deixar o país sangrar à morte. Quer que o mundo pense que, sem ele, será o caos. Mas o que é mais caótico que isso?

REPRESSÃO
Eu acho que o Exército age bem ao afastar os pró-Mubarak da praça. Eles são policiais com roupas civis ou agentes contratados. O serviço secreto está acostumado a pagar pelo trabalho sujo.
Já entre os anti-Mubarak há unidade e determinação. Seus rostos estão cansados, mas a atmosfera é otimista. Eles estão sobrevivendo com feijão, queijo e pão.
Egípcios ricos compraram falafel para serem distribuídos. Mesmo quem não está lá os apoia.
Mas isso fica cada vez mais difícil, já que as blitze têm retido suprimentos, mesmo os médicos. Na praça faltam remédios para os diabéticos, os hipertensos.
Reprimir a mídia foi uma medida idiota. Foi fruto do medo e do desespero. Eles precisam saber que, mesmo que os jornalistas estrangeiros não possam entrar, hoje todos podem ser jornalistas.
Há blogueiros, gente com celulares equipados com câmeras registrando tudo, e é fácil colocar isso na internet. A mensagem irá chegar ao mundo exterior, não há como impedir.


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