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IRAQUE SOB TUTELA
Para embaixador, derrubada de Saddam abriu "caixa de Pandora'; Rumsfeld vê risco de guerra constante
Invasão piorou caos no Iraque, admitem EUA
DA REDAÇÃO
Autoridades americanas admitiram ontem pela primeira vez
desde a invasão do Iraque, há
quase três anos, que o país está
sob risco de guerra civil e que derrubar o ditador Saddam Hussein
abriu uma "caixa de Pandora".
"Abrimos a caixa de Pandora, e
a questão agora é como sair dessa", disse o embaixador dos EUA
em Bagdá, Zalmay Khalilzad, em
uma entrevista publicada ontem
pelo jornal "Los Angeles Times".
"O jeito, na minha opinião, é um
esforço para construir pontes entre as comunidades [iraquianas]."
Khalilzad, que descende de afegãos, advertiu que, caso se concretize o cenário negativo, os extremistas religiosos podem tomar
o controle de partes do país. "Isso
faria o Afeganistão do Taleban
parecer brincadeira de criança."
Segundo o embaixador, o país
está especialmente vulnerável por
conta do vácuo de poder criado
com a demora em formar um governo de coalizão a partir das eleições parlamentares de dezembro
último. Khalilzad tem participado
publicamente das negociações.
"Uma vez formado um governo
de unidade nacional, o esforço para provocar uma guerra civil passará a ter um grande obstáculo."
Caso contrário, ponderou, um
novo incidente como o atentado
em Samarra que destruiu uma
importante mesquita xiita, há
quase duas semanas, pode empurrar o país de vez para um conflito interno generalizado.
O atentado e os ataques e contra-ataques entre os diferentes
grupos etno-religiosos iraquianos
que se seguiram a ele mostraram
que os insurgentes estão atentos a
essa janela de vulnerabilidade,
afirmou Khalilzad. "Eles estão
tentando expandi-la", ressaltou.
"Neste momento, há um vácuo de
autoridade e muita desconfiança
no Iraque."
O secretário da Defesa americano, Donald Rumsfeld, também
alertou para o risco persistente de
guerra civil no país. "Sempre houve um potencial para guerra civil
no Iraque. O país era mantido
unido à custa de um regime repressor que colocou centenas de
milhares de seres humanos em
valas comuns", afirmou, aludindo a Saddam Hussein, durante
entrevista coletiva no Pentágono.
Mas, embora tenha admitido o
perigo, ele não acredita que o país
já esteja imerso nesse tipo de conflito, e acusou a imprensa de exagerar a gravidade da situação.
Desde o atentado em Samarra,
mais de 500 pessoas morreram
em ataques sectários no Iraque,
segundo as contas mais otimistas.
Nas mais drásticas, o saldo se
aproxima de 1.500.
Envolvimento iraniano
Três grupos etno-religiosos predominam no Iraque: os árabes sunitas, que perfazem 20% da população; os árabes xiitas, que são
mais de 60%; e os iraquianos de
etnia curda, que são 15%. Sob os
24 anos do regime de Saddam,
um árabes sunita, o primeiro grupo dominou o país, enquanto os
outros dois eram violentamente
reprimidos -o ex-ditador é acusado de ordenar o massacre de
milhares de curdos no norte do
do Iraque e de dezenas de milhares de xiitas no sul.
Com a derrubada do regime pelos EUA, essas tensões mantidas
latentes por meio de violência
afloraram. A chegada dos xiitas ao
poder por meio de eleições diretas
ao mesmo tempo em que os sunitas perderam seus privilégios e
começaram a trocar o diálogo político pelas fileiras da insurgência
levantou a fervura, que, com o
atentado em Samarra, explodiu.
A deterioração da situação de
segurança levou os EUA a reexaminarem seus planos para começar a retirar do Iraque ainda neste
ano os mais de 130 mil soldados
que mantêm no país.
Tanto Khalilzad quanto Rumsfeld foram veementes em defender a manutenção da presença
militar dos EUA enquanto não
houver estabilidade.
Para o embaixador, uma retirada americana agora incorreria no
risco de um conflito regional, com
os países árabes, predominantemente sunitas, dando apoio à minoria, e o Irã, que é xiita, aliando-se à maioria. Xiitas e sunitas são
dois ramos da mesma religião, o
islã, dividida por causa de uma divergência sobre a sucessão do
profeta Muhammad.
Ontem, Rumsfeld acusou o Irã
de enviar membros de sua Guarda Revolucionária ao país vizinho
para fomentar a violência. "Eles
estão colocando gente no Iraque
para fazer coisas que são prejudiciais ao futuro do país", disse.
"Não acho que podemos considerá-los peregrinos religiosos".
O secretário da Defesa ainda se
queixou da cobertura da imprensa sobre o Iraque, afirmando que
o número de ataques contra mesquitas e o saldo de mortos divulgados desde o atentado de Samarra foram inflados. "Pelo que eu vi
até agora, boa parte das reportagens nos EUA e no exterior exageram a situação."
Com agências internacionais
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