São Paulo, quarta-feira, 08 de março de 2006

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IRAQUE SOB TUTELA

Para embaixador, derrubada de Saddam abriu "caixa de Pandora'; Rumsfeld vê risco de guerra constante

Invasão piorou caos no Iraque, admitem EUA

DA REDAÇÃO

Autoridades americanas admitiram ontem pela primeira vez desde a invasão do Iraque, há quase três anos, que o país está sob risco de guerra civil e que derrubar o ditador Saddam Hussein abriu uma "caixa de Pandora".
"Abrimos a caixa de Pandora, e a questão agora é como sair dessa", disse o embaixador dos EUA em Bagdá, Zalmay Khalilzad, em uma entrevista publicada ontem pelo jornal "Los Angeles Times". "O jeito, na minha opinião, é um esforço para construir pontes entre as comunidades [iraquianas]."
Khalilzad, que descende de afegãos, advertiu que, caso se concretize o cenário negativo, os extremistas religiosos podem tomar o controle de partes do país. "Isso faria o Afeganistão do Taleban parecer brincadeira de criança."
Segundo o embaixador, o país está especialmente vulnerável por conta do vácuo de poder criado com a demora em formar um governo de coalizão a partir das eleições parlamentares de dezembro último. Khalilzad tem participado publicamente das negociações. "Uma vez formado um governo de unidade nacional, o esforço para provocar uma guerra civil passará a ter um grande obstáculo."
Caso contrário, ponderou, um novo incidente como o atentado em Samarra que destruiu uma importante mesquita xiita, há quase duas semanas, pode empurrar o país de vez para um conflito interno generalizado.
O atentado e os ataques e contra-ataques entre os diferentes grupos etno-religiosos iraquianos que se seguiram a ele mostraram que os insurgentes estão atentos a essa janela de vulnerabilidade, afirmou Khalilzad. "Eles estão tentando expandi-la", ressaltou. "Neste momento, há um vácuo de autoridade e muita desconfiança no Iraque."
O secretário da Defesa americano, Donald Rumsfeld, também alertou para o risco persistente de guerra civil no país. "Sempre houve um potencial para guerra civil no Iraque. O país era mantido unido à custa de um regime repressor que colocou centenas de milhares de seres humanos em valas comuns", afirmou, aludindo a Saddam Hussein, durante entrevista coletiva no Pentágono.
Mas, embora tenha admitido o perigo, ele não acredita que o país já esteja imerso nesse tipo de conflito, e acusou a imprensa de exagerar a gravidade da situação.
Desde o atentado em Samarra, mais de 500 pessoas morreram em ataques sectários no Iraque, segundo as contas mais otimistas. Nas mais drásticas, o saldo se aproxima de 1.500.

Envolvimento iraniano
Três grupos etno-religiosos predominam no Iraque: os árabes sunitas, que perfazem 20% da população; os árabes xiitas, que são mais de 60%; e os iraquianos de etnia curda, que são 15%. Sob os 24 anos do regime de Saddam, um árabes sunita, o primeiro grupo dominou o país, enquanto os outros dois eram violentamente reprimidos -o ex-ditador é acusado de ordenar o massacre de milhares de curdos no norte do do Iraque e de dezenas de milhares de xiitas no sul.
Com a derrubada do regime pelos EUA, essas tensões mantidas latentes por meio de violência afloraram. A chegada dos xiitas ao poder por meio de eleições diretas ao mesmo tempo em que os sunitas perderam seus privilégios e começaram a trocar o diálogo político pelas fileiras da insurgência levantou a fervura, que, com o atentado em Samarra, explodiu.
A deterioração da situação de segurança levou os EUA a reexaminarem seus planos para começar a retirar do Iraque ainda neste ano os mais de 130 mil soldados que mantêm no país.
Tanto Khalilzad quanto Rumsfeld foram veementes em defender a manutenção da presença militar dos EUA enquanto não houver estabilidade.
Para o embaixador, uma retirada americana agora incorreria no risco de um conflito regional, com os países árabes, predominantemente sunitas, dando apoio à minoria, e o Irã, que é xiita, aliando-se à maioria. Xiitas e sunitas são dois ramos da mesma religião, o islã, dividida por causa de uma divergência sobre a sucessão do profeta Muhammad.
Ontem, Rumsfeld acusou o Irã de enviar membros de sua Guarda Revolucionária ao país vizinho para fomentar a violência. "Eles estão colocando gente no Iraque para fazer coisas que são prejudiciais ao futuro do país", disse. "Não acho que podemos considerá-los peregrinos religiosos".
O secretário da Defesa ainda se queixou da cobertura da imprensa sobre o Iraque, afirmando que o número de ataques contra mesquitas e o saldo de mortos divulgados desde o atentado de Samarra foram inflados. "Pelo que eu vi até agora, boa parte das reportagens nos EUA e no exterior exageram a situação."


Com agências internacionais

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