São Paulo, quarta-feira, 08 de março de 2006

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AMÉRICA DO SUL

Em decisão inédita, Câmara vota pela saída de Aníbal Ibarra

Incêndio em boate derruba prefeito de Buenos Aires

FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES

Depois de um ano e dois meses do incêndio que matou 194 pessoas numa boate, a Câmara de Buenos Aires aprovou ontem o impeachment do prefeito da cidade, Aníbal Ibarra, por considerar que ele teve responsabilidade política na tragédia.
A decisão é inédita. Ibarra, um aliado do presidente argentino, Néstor Kirchner, não perderá, porém, os direitos políticos e afirmou que recorrerá do afastamento na justiça, por irregularidades no julgamento. O vice-prefeito, Jorge Telerman, assume definitivamente o cargo.
A oposição, tanto à direita como à esquerda da Casa Rosada, ajudada por um apoio chave de um legislador kirchnerista, conseguiu os dez votos necessários para derrotar o prefeito.
A queda de Ibarra foi comemorada por parentes das vítimas, acompanhados por movimentos sociais e piqueteiros críticos da Casa Rosada. Munidos de fotos, objetos, bandeiras e tambores, eles se abraçavam, cantavam palavras de ordem ("Os meninos, presentes hoje e sempre") e fecharam parte da avenida de Maio, próximo à Câmara.
Com o temor de que a violência de outras sessões se repetisse, com o conflito de familiares e legisladores, cerca de 500 policiais fizeram a segurança na região.
Anteontem, era tenso o clima. Uma legisladora, que anunciou voto a favor do prefeito afastado, teve a casa pichada e foi chamada de traidora. Familiares, que fizeram uma vigília na praça de Maio, prometeram fundar os "Pais da Praça de Maio", em referência ao histórico grupo das "Mães" da praça, caso Ibarra fosse absolvido.
Após a decisão, parte do grupo seguiu em passeata para o bairro do Once, onde ficava a República Cromagnon, a boate da tragédia. Outro grupo menor de familiares, porém, manteve apoio ao prefeito afastado e voltou a acusar líderes opositores de manipular a dor dos parentes.
O chamado "caso Cromagnon" se transformou numa longa crise política, de efeitos até mesmo nas eleições do ano que vem, mas começou como um escândalo pela falta de fiscalização nas boates de Buenos Aires.
Na noite de 30 de dezembro de 2004, os efeitos de um incêndio na boate foram amplificados pela série de irregularidades que o lugar exibia: estava superlotado (havia um público de 4.000 pessoas, mas a lotação máxima era de 2.500 pessoas), um berçário havia sido improvisado em um banheiro e as principais saídas de emergência da casa estavam fechadas com cadeados.
Os que morreram por queimaduras ou asfixiados pela fumaça assistiam à banda de rock Los Callejeros, então ascendente no país e hoje implicada na ação penal da tragédia (leia nesta página).
Dias depois do incêndio, o próprio Ibarra chegou a apontar a existência de corrupção entre os fiscais de casas noturnas, que receberiam propina de proprietários. Demitiu pessoas, tentou convocar uma consulta pública para referendar sua permanência, mas não escapou do processo por "má administração", iniciado em novembro. Desde então, estava afastado do cargo.
Foi mais de um ano de crise diariamente na imprensa argentina. Foi tanta a exposição do principal líder dos parentes das vítimas, o advogado José Iglesias, que ontem ele teve de dizer que ainda "não pensava em futuro político" depois da sessão.
A derrota de Ibarra é também uma vitória do deputado nacional de direita Mauricio Macri, candidato derrotado à prefeitura de Buenos Aires que tenta se cacifar como o anti-Kirchner.
Ibarra também usou a exposição na imprensa para angariar apoios e demonstrar sua força política. Na última sexta-feira, cerca de 40 mil pessoas, segundo a imprensa argentina, participaram de ato a favor dele, convocado por entidades de direitos humanos e culturais, sua base.
Como a decisão não impede Ibarra de concorrer às eleições no ano que vem, ele procurou ontem mesmo afirmar que não desistirá de voltar à prefeitura e agradeceu apoios. "Vou em direção à Justiça e em direção ao povo", disse em coletiva.
Agora, prevê-se uma crise na base municipal do Partido Justicialista, incluindo a frente que apóia Kirchner, por causa do legislador que traiu o bloco e votou contra Ibarra. A queda embaralha a disputa interna pela vaga de candidato a prefeito em 2007. Ontem, Kirchner fez discurso, mas não comentou o assunto.


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