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AMÉRICA DO SUL
Em decisão inédita, Câmara vota pela saída de Aníbal Ibarra
Incêndio em boate derruba prefeito de Buenos Aires
FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES
Depois de um ano e dois meses
do incêndio que matou 194 pessoas numa boate, a Câmara de
Buenos Aires aprovou ontem o
impeachment do prefeito da cidade, Aníbal Ibarra, por considerar
que ele teve responsabilidade política na tragédia.
A decisão é inédita. Ibarra, um
aliado do presidente argentino,
Néstor Kirchner, não perderá, porém, os direitos políticos e afirmou que recorrerá do afastamento na justiça, por irregularidades
no julgamento. O vice-prefeito,
Jorge Telerman, assume definitivamente o cargo.
A oposição, tanto à direita como
à esquerda da Casa Rosada, ajudada por um apoio chave de um
legislador kirchnerista, conseguiu
os dez votos necessários para derrotar o prefeito.
A queda de Ibarra foi comemorada por parentes das vítimas,
acompanhados por movimentos
sociais e piqueteiros críticos da
Casa Rosada. Munidos de fotos,
objetos, bandeiras e tambores,
eles se abraçavam, cantavam palavras de ordem ("Os meninos,
presentes hoje e sempre") e fecharam parte da avenida de Maio,
próximo à Câmara.
Com o temor de que a violência
de outras sessões se repetisse,
com o conflito de familiares e legisladores, cerca de 500 policiais
fizeram a segurança na região.
Anteontem, era tenso o clima.
Uma legisladora, que anunciou
voto a favor do prefeito afastado,
teve a casa pichada e foi chamada
de traidora. Familiares, que fizeram uma vigília na praça de Maio,
prometeram fundar os "Pais da
Praça de Maio", em referência ao
histórico grupo das "Mães" da
praça, caso Ibarra fosse absolvido.
Após a decisão, parte do grupo
seguiu em passeata para o bairro
do Once, onde ficava a República
Cromagnon, a boate da tragédia.
Outro grupo menor de familiares,
porém, manteve apoio ao prefeito
afastado e voltou a acusar líderes
opositores de manipular a dor
dos parentes.
O chamado "caso Cromagnon"
se transformou numa longa crise
política, de efeitos até mesmo nas
eleições do ano que vem, mas começou como um escândalo pela
falta de fiscalização nas boates de
Buenos Aires.
Na noite de 30 de dezembro de
2004, os efeitos de um incêndio na
boate foram amplificados pela série de irregularidades que o lugar
exibia: estava superlotado (havia
um público de 4.000 pessoas, mas
a lotação máxima era de 2.500
pessoas), um berçário havia sido
improvisado em um banheiro e as
principais saídas de emergência
da casa estavam fechadas com cadeados.
Os que morreram por queimaduras ou asfixiados pela fumaça
assistiam à banda de rock Los Callejeros, então ascendente no país
e hoje implicada na ação penal da
tragédia (leia nesta página).
Dias depois do incêndio, o próprio Ibarra chegou a apontar a
existência de corrupção entre os
fiscais de casas noturnas, que receberiam propina de proprietários. Demitiu pessoas, tentou convocar uma consulta pública para
referendar sua permanência, mas
não escapou do processo por "má
administração", iniciado em novembro. Desde então, estava afastado do cargo.
Foi mais de um ano de crise diariamente na imprensa argentina.
Foi tanta a exposição do principal
líder dos parentes das vítimas, o
advogado José Iglesias, que ontem ele teve de dizer que ainda
"não pensava em futuro político"
depois da sessão.
A derrota de Ibarra é também
uma vitória do deputado nacional
de direita Mauricio Macri, candidato derrotado à prefeitura de
Buenos Aires que tenta se cacifar
como o anti-Kirchner.
Ibarra também usou a exposição na imprensa para angariar
apoios e demonstrar sua força política. Na última sexta-feira, cerca
de 40 mil pessoas, segundo a imprensa argentina, participaram de
ato a favor dele, convocado por
entidades de direitos humanos e
culturais, sua base.
Como a decisão não impede
Ibarra de concorrer às eleições no
ano que vem, ele procurou ontem
mesmo afirmar que não desistirá
de voltar à prefeitura e agradeceu
apoios. "Vou em direção à Justiça
e em direção ao povo", disse em
coletiva.
Agora, prevê-se uma crise na
base municipal do Partido Justicialista, incluindo a frente que
apóia Kirchner, por causa do legislador que traiu o bloco e votou
contra Ibarra. A queda embaralha
a disputa interna pela vaga de
candidato a prefeito em 2007. Ontem, Kirchner fez discurso, mas
não comentou o assunto.
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