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Zizek elogia Obama "conservador"
Para filósofo esloveno, a curto prazo crise econômica tende a criar coordenação global e a fortalecer o capitalismo
As pessoas perderam seu "mapeamento cognitivo", e está em curso uma disputa, ele diz, para ver qual análise sobre a crise "vai vencer"
JOHN THORNHILL
DO "FINANCIAL TIMES"
Seja como for que você o veja,
não há dúvida de que o filósofo
esloveno marxista cult Slavoj
Zizek é um polemista intelectual nato. Autor de uma série de
livros provocantes sobre política, psicanálise, ideologia e cinema, ele faz palestras surpreendentes em todo o mundo justapondo teoria marxista, psicanálise freudiana e cultura pop.
Zizek é todo charme amarfanhado quando chega ao restaurante Pri Vitezu, no centro da
pitoresca capital da Eslovênia,
onde nasceu.
Tentamos simplificar nossa
vida pedindo algo para comer.
Mas Zizek está perplexo com o
misto de cozinha internacional
padronizada e especialidades
locais eslovenas no cardápio.
"Para explicar em meus termos
stalinistas, este restaurante
não tem um perfil ideológico
claro", ele brinca.
Pergunto a ele sobre a crise
financeira, esperando alguma
pirotecnia política sobre os estertores de morte do capitalismo. Será que a crise pressagia a
revolução? "Não, não, não. Sou
um marxista extremamente
modesto", ele responde em
tom um tanto quanto decepcionante. "Não sou uma pessoa catastrófica. Não estou dizendo
que a revolução esteja à espreita na esquina. Tenho plena
consciência de que qualquer
solução comunista à moda antiga está fora de questão."
Ele insiste, porém, que a crise
financeira acabou com a utopia
liberal que floresceu após a
queda da União Soviética em
1991 e toda a conversa grandiosa sobre o "fim da história". Os
ataques terroristas de setembro de 2001 e o derretimento financeiro explodiram o mito segundo o qual a economia de
mercado e a democracia liberal
têm todas as respostas.
Estado de emergência
No curto prazo, pelo menos,
os governos vão introduzir
mais regulamentação estatal e
coordenação global, fortalecendo o sistema capitalista.
Nesse sentido, ele sugere que o
progressista Barack Obama poderá um dia ser incluído no rol
dos melhores presidentes conservadores na história dos Estados Unidos.
Mas, diz Zizek, mesmo que o
capitalismo seja temporariamente consertado, isso não ajudará em nada a resolver suas
contradições inerentes. O alarmante colapso da sociedade levará a novas formas de apartheid e estados de emergência.
Ele destaca a militarização
crescente da Itália, onde o governo enviou o Exército a Nápoles para fazer frente à máfia.
E afirma que São Paulo está se
metamorfoseando numa versão real do filme "Blade Runner, o Caçador de Androides"
(1982). A cidade hoje tem 70
heliportos, e os ricos se deslocam num nível diferente dos
pobres.
O capitalismo, ele acredita, é
incapaz de solucionar os maiores desafios de hoje: a catástrofe ambiental e os abusos da tecnologia de informação, os direitos de propriedade intelectual e
a biogenética. As sociedades
precisam inventar novas formas de propriedade e de bens
comuns, ou então irão morrer.
"A principal crítica que faço ao
capitalismo liberal não é que
ele seja prejudicial, mas que
não pode durar para sempre. O
comunismo precisa ser reinventado", diz Zizek.
Disputa de interpretações
Enquanto mastigamos nossas fartas saladas verdes e nossas carnes deliciosas, Zizek comenta que o que o fascina especialmente é a batalha ideológica em torno da interpretação
da crise financeira. A ideologia
governante procura transferir
a culpa do sistema capitalista
global, como tal, para seus desvios acidentais -como a regulamentação excessivamente
frouxa ou a corrupção das grandes instituições financeiras.
"O problema hoje é que,
quando há caos e desordem, as
pessoas perdem seu mapeamento cognitivo. Então é uma
disputa aberta para ver qual interpretação vai vencer", diz ele.
"Nunca esqueça que foi assim
que Hitler venceu."
De acordo com Zizek, a razão
pela qual Hitler chegou ao poder nos anos 1930 foi que ele
ofereceu a interpretação mais
atraente de acontecimentos
desastrosos. Ele simplesmente
lisonjeou os alemães, afirmando que seu Exército tinha sido
traído na Primeira Guerra
Mundial e atribuindo toda a
culpa por isso aos judeus.
Pedimos uma salada de frutas. Mas será que pessoas como
Zizek deveriam estar passando
tanto tempo procurando entender o mundo, quando, como
insistiu Marx, o xis da questão é
mudar o mundo? Zizek, o marxista modesto, diz que os tempos em que vivemos são tão extraordinários que precisamos
compreender plenamente o
que está acontecendo antes de
podermos agir de modo sensato. "Precisamos nos afastar, refletir, pensar", diz ele.
O papel dos filósofos, na visão dele, é ajudar a lançar luz
sobre as perguntas que as sociedades deveriam formular,
em lugar de apresentar soluções prontas. "Me sinto como
um mágico que mostra apenas
cartolas, nunca coelhos."
Tradução de CLARA ALLAIN
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