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ARTIGO
Voto em El Salvador fecha ciclo histórico
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Depois de uma guerra civil
que matou mais de 70 mil pessoas (1980-1992), seguida de 17
anos de governo conservador, é
possível que assuma o poder
em El Salvador um partido de
ex-guerrilheiros.
É a continuidade do confronto entre a Frente Farabundo
Martí de Libertação Nacional, a
FMLN, à esquerda, e a Aliança
Republicana Nacionalista, a
Arena, à direita.
O arcebispo da capital salvadorenha, dom Oscar Romero,
foi uma das vítimas de esquadrões da morte que tinham as
impressões digitais de um oficial do Exército, Roberto D'Aubuisson, criador da Arena, de
estreitas relações com a CIA.
Romero cometeu o crime de
pedir aos soldados que não atirassem no povo. A repressão e a
guerra civil fizeram de El Salvador campo de matanças. Ainda
recentemente foram encontrados restos mortais de pessoas
enterradas em valas comuns.
Desde 1992, no entanto, os embates se deslocaram para as urnas e, pela primeira vez, a
FMLN estaria a ponto de ganhar as eleições presidenciais
do próximo domingo.
Embora isso possa não significar o controle das decisões
políticas, já que a Arena disporá
do recurso de aliar-se a partidos menores no Parlamento, o
triunfo em si já seria de grande
importância.
Pragmatismo
Há um detalhe que merece
atenção. Num gesto de pragmatismo, a FMLN escolheu como
candidato alguém de fora de
seus quadros de ex-guerrilheiros, Mauricio Funes, cuja fama
se fez como um jornalista combativo e independente.
Entre seus entrevistados famosos se encontra o presidente
Lula. Foi protagonista da primeira entrevista a uma TV salvadorenha da ex-estrela da
guerrilha, Joaquín Villalobos,
hoje um social-democrata com
ares de acadêmico e estreitas
relações com grupos europeus
de centro-esquerda.
Como não pode chamar Funes de terrorista, a direita salvadorenha e seu candidato, Rodrigo Ávila, concentram ataques em Salvador Sánchez Cerén, candidato a vice. Sánchez
Cerén foi combatente na guerra civil. Difundir medos é a estratégia. São mostradas imagens de pontes destruídas e outras ações da guerrilha, reproduzidos discursos do presidente Chávez, da Venezuela etc.
A ideia é mostrar a FMLN como opção perigosa. Também se
dá destaque às previsões de que
a FMLN pode perder a prefeitura da capital, que controla há
mais de uma década.
A FMLN, de seu lado, não toca nem sequer de leve em socialismo e muito menos no "socialismo do século 21". Embora
prometa acabar com as privatizações, também promete tornar El Salvador um pais "onde
os investimentos nacionais e
estrangeiros queiram estabelecer-se". Adota como tarefa de
maior urgência o lançamento
de um plano nacional de combate à pobreza.
O projeto se completaria, em
sua primeira fase, com o lançamento "das bases de uma sociedade mais justa, segundo o modelo definido pela Constituição
da República". A moeda nacional, o colón, voltaria a circular
num sistema bimonetário, ao
lado do dólar, adotado desde
2001. A Arena também fala de
um país justo, de aliança pró-mudanças, embora carregue
um passado e também um presente de representante de interesses oligárquicos.
A "militarização" de El Salvador, inclusive com a instalação
de bases americanas, a brutalidade repressiva e a guerra civil
tiveram como um de seus condimentos a doutrina Reagan,
de "contenção do comunismo"
na América Central. Uma das
principais formuladoras de sua
política, a senhora Jane Kirkpatrick, afirmava que só haveria acordo se os guerrilheiros
antes entregassem as armas.
Alcançou-se a paz com mediação da ONU. Acabaram os
aparelhos repressivos, e a
FMLN tornou-se partido político. Os acordos de Chapultepec foram os primeiros conseguidos pela ONU encerrando
"de fato" uma guerra civil.
Farabundo Martí é biografado como um "centro-americanista", ou um "internacionalista revolucionário", cuja inspiração era a Revolução Mexicana. Fundou um PC da América
Central. Participou de lutas sociais e políticas, dentro e fora de
El Salvador, era chamado de
"El Negro". Mas isso é história.
O jornalista NEWTON CARLOS é especialista
em questões internacionais
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