São Paulo, domingo, 08 de março de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Voto em El Salvador fecha ciclo histórico

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Depois de uma guerra civil que matou mais de 70 mil pessoas (1980-1992), seguida de 17 anos de governo conservador, é possível que assuma o poder em El Salvador um partido de ex-guerrilheiros.
É a continuidade do confronto entre a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, a FMLN, à esquerda, e a Aliança Republicana Nacionalista, a Arena, à direita.
O arcebispo da capital salvadorenha, dom Oscar Romero, foi uma das vítimas de esquadrões da morte que tinham as impressões digitais de um oficial do Exército, Roberto D'Aubuisson, criador da Arena, de estreitas relações com a CIA.
Romero cometeu o crime de pedir aos soldados que não atirassem no povo. A repressão e a guerra civil fizeram de El Salvador campo de matanças. Ainda recentemente foram encontrados restos mortais de pessoas enterradas em valas comuns.
Desde 1992, no entanto, os embates se deslocaram para as urnas e, pela primeira vez, a FMLN estaria a ponto de ganhar as eleições presidenciais do próximo domingo.
Embora isso possa não significar o controle das decisões políticas, já que a Arena disporá do recurso de aliar-se a partidos menores no Parlamento, o triunfo em si já seria de grande importância.

Pragmatismo
Há um detalhe que merece atenção. Num gesto de pragmatismo, a FMLN escolheu como candidato alguém de fora de seus quadros de ex-guerrilheiros, Mauricio Funes, cuja fama se fez como um jornalista combativo e independente.
Entre seus entrevistados famosos se encontra o presidente Lula. Foi protagonista da primeira entrevista a uma TV salvadorenha da ex-estrela da guerrilha, Joaquín Villalobos, hoje um social-democrata com ares de acadêmico e estreitas relações com grupos europeus de centro-esquerda.
Como não pode chamar Funes de terrorista, a direita salvadorenha e seu candidato, Rodrigo Ávila, concentram ataques em Salvador Sánchez Cerén, candidato a vice. Sánchez Cerén foi combatente na guerra civil. Difundir medos é a estratégia. São mostradas imagens de pontes destruídas e outras ações da guerrilha, reproduzidos discursos do presidente Chávez, da Venezuela etc.
A ideia é mostrar a FMLN como opção perigosa. Também se dá destaque às previsões de que a FMLN pode perder a prefeitura da capital, que controla há mais de uma década.
A FMLN, de seu lado, não toca nem sequer de leve em socialismo e muito menos no "socialismo do século 21". Embora prometa acabar com as privatizações, também promete tornar El Salvador um pais "onde os investimentos nacionais e estrangeiros queiram estabelecer-se". Adota como tarefa de maior urgência o lançamento de um plano nacional de combate à pobreza.
O projeto se completaria, em sua primeira fase, com o lançamento "das bases de uma sociedade mais justa, segundo o modelo definido pela Constituição da República". A moeda nacional, o colón, voltaria a circular num sistema bimonetário, ao lado do dólar, adotado desde 2001. A Arena também fala de um país justo, de aliança pró-mudanças, embora carregue um passado e também um presente de representante de interesses oligárquicos.
A "militarização" de El Salvador, inclusive com a instalação de bases americanas, a brutalidade repressiva e a guerra civil tiveram como um de seus condimentos a doutrina Reagan, de "contenção do comunismo" na América Central. Uma das principais formuladoras de sua política, a senhora Jane Kirkpatrick, afirmava que só haveria acordo se os guerrilheiros antes entregassem as armas.
Alcançou-se a paz com mediação da ONU. Acabaram os aparelhos repressivos, e a FMLN tornou-se partido político. Os acordos de Chapultepec foram os primeiros conseguidos pela ONU encerrando "de fato" uma guerra civil.
Farabundo Martí é biografado como um "centro-americanista", ou um "internacionalista revolucionário", cuja inspiração era a Revolução Mexicana. Fundou um PC da América Central. Participou de lutas sociais e políticas, dentro e fora de El Salvador, era chamado de "El Negro". Mas isso é história.


O jornalista NEWTON CARLOS é especialista em questões internacionais


Texto Anterior: Militares no poder
Próximo Texto: Zimbábue: Aliados querem apurar acidente com premiê
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.