São Paulo, terça-feira, 08 de abril de 2008

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Crise do pão acirra tensão política no Egito

País vota hoje em pleito tumultuado por atos contra aumento do alimento básico e por veto oficial à Irmandade Muçulmana

Protestos na fila do pão já deixaram 50 mortos desde o início do ano; principal força de oposição a Mubarak foi alvo de onda repressiva

Nasser Nuri/Reuters
Manifestantes rasgam pôster do ditador Hosni Mubarak durante protesto contra alta dos preços em Mahalla; no domingo, dois morreram em manifestação na cidade

KAREN MARÓN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO CAIRO

"Fique em casa ou junte-se a nós nos espaços públicos. Não saia à rua. Não vá trabalhar.
Não vá às aulas. Não abra sua loja. Queremos salários decentes. Queremos emprego. Queremos dar educação decente aos nossos filhos" foram alguns dos lemas divulgados na capital do Egito, por meio de mensagens de texto e na internet, em convocação a uma paralisação de um dia, no domingo, contra o aumento de preços.
A convocação ocorreu às vésperas de os eleitores egípcios irem às urnas, hoje, para as eleições locais, que elegerão mais de 50 mil representantes legislativos distritais e municipais nas 26 Províncias do país.
A greve -iniciada nas primeiras horas da manhã de domingo e que produziu confrontos com pedradas e gás lacrimogêneo em Mahalla al Koubra, no delta do rio Nilo, deixando um saldo de dois mortos, 60 feridos e dezenas de pessoas detidas- é o corolário de profundo mal-estar social que começou nas primeiras semanas do ano, com o aumento de 50% no pão, alimento básico da dieta egípcia.
A "crise do pão", como a designa a mídia local, obriga milhares de egípcios a enfrentar filas diárias para conseguir o produto de forma subvencionada, ao custo de uma libra egípcia, ou o equivalente a US$ 0,18, por 20 pães. Estima-se que 50 pessoas tenham morrido nos últimos meses em protestos ou tumultos nas filas.
Para atenuar a crise que ameaça o governo de Hosni Mubarak, há 27 anos no poder, o subsídio à farinha foi aumentado em 60%, e as Forças Armadas foram colocadas em ação para fiscalizar as padarias, impondo penas de até 15 anos de prisão para os padeiros que vendam no mercado negro a farinha subsidiada. A inflação, que subiu 13% em quatro meses, e o custo da habitação, inacessível para a maior parte da população, compõem a crise.
A situação é tão caótica que 226 deputados, comandados por independentes e islâmicos, exigiram a demissão do primeiro-ministro Ahmed Nazif.
"O dinheiro não chega para nada, e estamos afundados na miséria", diz Sabry, taxista da cidade turística de Assuã, no sul do país, que terminou migrando para a ruidosa e confusa capital egípcia, um dia coração do mundo árabe e hoje um aglomerado desregrado de 17 milhões de pessoas.
"Tenho quatro filhos, e prover comida e educação a eles me preocupa. De certa forma, sinto como se estivessem nos matando, ainda que exista gente em situação pior", reconhece, em referência aos 44% da população egípcia (76 milhões de pessoas) que vivem abaixo da linha da pobreza, com renda diária de menos de US$ 1.

Oposição proibida
"Mubarak precisa deixar o poder. Vivemos em uma ditadura, e nós lutamos por eleições livres", disse Mahmud, 24, um militante universitário da Irmandade Muçulmana, durante a 6ª Conferência Contra a Guerra [do Iraque], no Cairo, realizada na semana passada pelo Sindicato dos Jornalistas.
A Irmandade tem realizado manifestações pela libertação de 800 de seus membros detidos, alguns dos quais sem acusação formal, e deseja saber o paradeiro de pelo menos 148 candidatos às eleições locais -proibido de concorrer como partido, o grupo inscreve candidatos como independentes.
As detenções de ativistas da oposição põem em dúvida a legitimidade do pleito. "O presidente aparentemente acredita que o resultado das eleições não deve ser decidido pelos eleitores", criticou Joe Stork, diretor da Human Rights Watch no Oriente Médio.
Soma-se o fato de que um tribunal militar adiou para o dia 15 de abril o anúncio do veredicto no julgamento de 40 líderes da Irmandade Muçulmana, acusados de integrar organização ilegal e de posse de material de propaganda antigoverno. Os acusados -com exceção de quatro julgados à revelia- estão detidos há mais de um ano.
A Anistia Internacional já definiu as detenções como políticas e apelou pela "libertação imediata e incondicional dos prisioneiros de consciência".
"Queremos liberdade", repete Mahmud, o estudante de literatura espanhola cuja família de sete pessoas sobrevive com US$ 50 ao mês e claramente não é beneficiária do crescimento anual de 7% que o governo de Mubarak exibe como prova de seu sucesso econômico. O crescimento beneficia uma pequena porcentagem dos egípcios, formando uma nova classe média que submergiu em consumismo, muito distante da realidade do país.
O Egito que vota hoje parece submergido na ascensão do islamismo militante, da violência e da corrupção.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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