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ANÁLISE
Visita é mais de eleito que de candidato
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Néstor Kirchner desembarcou
ontem em Brasília muito mais como presidente virtualmente eleito
do que como candidato.
É verdade que a "photo opportunity" ao lado do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva,
durante o encontro que manterão
hoje pela manhã sempre pode
render alguns votos, se se considerar que Lula talvez esteja mais
popular na Argentina do que no
próprio Brasil.
Mas as evidências de que Kirchner tem boa folga na disputa com
o ex-presidente Carlos Saúl Menem dispensam um esforço externo para aumentar o seu capital
eleitoral.
Mais importante é, desde já, posar de presidente eleito, o que, de
quebra, ajuda a enervar ainda
mais o adversário, que dá sinais
crescentes de desespero.
Trata-se, pois, de uma viagem
feita mais de simbolismo do que
de discussões concretas. Não que
não haja muito a discutir com Lula e com o ministro da Fazenda,
Antonio Palocci Filho.
O ponto é que a discussão concreta já começou, e começou
bem, na avaliação das partes.
Na segunda-feira, o vice-chanceler argentino, Martín Redrado,
reuniu-se em Brasília com seu colega brasileiro, Samuel Pinheiro
Guimarães. Ambos assinaram comunicado em que anunciam a
idéia de "implementar bilateralmente o Instituto Monetário (...)
com o objetivo de propor os passos necessários para uma progressiva integração monetária,
com vistas à possível criação de
uma moeda comum".
Nesse trecho, a palavra essencial
é "bilateralmente". Se, de fato, Argentina e Brasil querem avançar
na direção de uma moeda comum, o primeiro passo é deixar
de lado os dois outros sócios do
Mercosul, Paraguai e Uruguai.
A crise em que ambos estão
mergulhados, fora as dificuldades
estruturais do lado paraguaio, impede mesmo o mais tênue avanço
na discussão sobre política cambial conjunta até uma eventual
moeda única.
Claro que Brasil e Argentina
também têm imensas dificuldades, mas o horizonte político é
mais nítido, ainda mais se se confirmar no segundo turno do próximo dia 18 de maio a vitória de
Kirchner.
Como o ministro da Economia,
Roberto Lavagna, já foi convidado para permanecer no cargo,
com Kirchner na Casa Rosada, a
negociação com as autoridades
brasileiras está azeitada de saída.
Mas é apenas um primeiro passo. O encontro Kirchner/Lula de
hoje servirá, acima de tudo, para o
conhecimento mútuo (o presidente brasileiro gosta de avaliar
ele próprio com quem está lidando).
O candidato argentino é ainda
pouco conhecido, o que em parte
se explica pelo fato de que está fazendo a primeira visita de sua vida ao Brasil.
Não será nesse primeiro encontro direto que os dois presidentes
(ou os dois ministros da Economia, em jantar previsto para ontem) discutirão em detalhes temas bem mais complicados para
ambos os países.
Se nem para o governo brasileiro está perfeitamente claro o que
fazer, por exemplo, nas negociações da Alca, o que dirá então de
um Kirchner que ainda é formalmente apenas um candidato?
Mas tudo está a indicar que serão Lula e Kirchner os que conduzirão, pelos dois sócios principais
do Mercosul, a negociação com os
Estados Unidos, crucial para definir até mesmo as políticas internas de Brasil e Argentina.
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