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São Paulo, quinta-feira, 08 de maio de 2003

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ANÁLISE

Visita é mais de eleito que de candidato

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Néstor Kirchner desembarcou ontem em Brasília muito mais como presidente virtualmente eleito do que como candidato.
É verdade que a "photo opportunity" ao lado do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, durante o encontro que manterão hoje pela manhã sempre pode render alguns votos, se se considerar que Lula talvez esteja mais popular na Argentina do que no próprio Brasil.
Mas as evidências de que Kirchner tem boa folga na disputa com o ex-presidente Carlos Saúl Menem dispensam um esforço externo para aumentar o seu capital eleitoral.
Mais importante é, desde já, posar de presidente eleito, o que, de quebra, ajuda a enervar ainda mais o adversário, que dá sinais crescentes de desespero.
Trata-se, pois, de uma viagem feita mais de simbolismo do que de discussões concretas. Não que não haja muito a discutir com Lula e com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho.
O ponto é que a discussão concreta já começou, e começou bem, na avaliação das partes.
Na segunda-feira, o vice-chanceler argentino, Martín Redrado, reuniu-se em Brasília com seu colega brasileiro, Samuel Pinheiro Guimarães. Ambos assinaram comunicado em que anunciam a idéia de "implementar bilateralmente o Instituto Monetário (...) com o objetivo de propor os passos necessários para uma progressiva integração monetária, com vistas à possível criação de uma moeda comum".
Nesse trecho, a palavra essencial é "bilateralmente". Se, de fato, Argentina e Brasil querem avançar na direção de uma moeda comum, o primeiro passo é deixar de lado os dois outros sócios do Mercosul, Paraguai e Uruguai.
A crise em que ambos estão mergulhados, fora as dificuldades estruturais do lado paraguaio, impede mesmo o mais tênue avanço na discussão sobre política cambial conjunta até uma eventual moeda única.
Claro que Brasil e Argentina também têm imensas dificuldades, mas o horizonte político é mais nítido, ainda mais se se confirmar no segundo turno do próximo dia 18 de maio a vitória de Kirchner.
Como o ministro da Economia, Roberto Lavagna, já foi convidado para permanecer no cargo, com Kirchner na Casa Rosada, a negociação com as autoridades brasileiras está azeitada de saída.
Mas é apenas um primeiro passo. O encontro Kirchner/Lula de hoje servirá, acima de tudo, para o conhecimento mútuo (o presidente brasileiro gosta de avaliar ele próprio com quem está lidando).
O candidato argentino é ainda pouco conhecido, o que em parte se explica pelo fato de que está fazendo a primeira visita de sua vida ao Brasil.
Não será nesse primeiro encontro direto que os dois presidentes (ou os dois ministros da Economia, em jantar previsto para ontem) discutirão em detalhes temas bem mais complicados para ambos os países.
Se nem para o governo brasileiro está perfeitamente claro o que fazer, por exemplo, nas negociações da Alca, o que dirá então de um Kirchner que ainda é formalmente apenas um candidato?
Mas tudo está a indicar que serão Lula e Kirchner os que conduzirão, pelos dois sócios principais do Mercosul, a negociação com os Estados Unidos, crucial para definir até mesmo as políticas internas de Brasil e Argentina.


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