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Bento 16 visita Terra Santa "radicalizada"
Viagem a Jordânia, Israel e territórios palestinos segue roteiro de João Paulo 2º em 2000, mas com ânimos mais acirrados
Para especialistas, é mais difícil para papa atual fazer declarações sobre temas como o do Estado palestino, apoiado por seu antecessor
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
"É a viagem mais aguardada e
talvez a que despertará maior
interesse em seu pontificado",
disse nesta semana o porta-voz
do Vaticano, padre Federico
Lombardi, sobre a visita do papa à Terra Santa, que começa
hoje na Jordânia e termina na
próxima sexta, em Israel.
Centrada no diálogo inter-religioso, sobretudo com muçulmanos e judeus, mas também com cristãos ortodoxos,
será a viagem mais difícil, e com
caráter mais explicitamente
político, de Bento 16.
O roteiro do périplo em grande medida reproduz viagem semelhante feita por João Paulo
2º, em 2000, mas desta vez o
pontífice terá margem de manobra menor para opinar sobre
conflitos locais.
Como seu antecessor, o líder
da Igreja Católica vai a Jordânia, Israel e territórios palestinos, a fim de visitar a cidade natal de Jesus Cristo (Belém), o
local onde ele cresceu (Nazaré)
e onde foi crucificado (Jerusalém), segundo a tradição.
Mas as diferenças de programação entre a peregrinação de
João Paulo 2º e a de Bento 16
também revelam os cuidados
maiores em não ferir as suscetibilidades do islã e do judaísmo
nos próximos dias, num contexto político visto por especialistas como mais conflituoso do
que há nove anos.
O teólogo Fernando Altemeyer, professor da PUC-SP, lembra que "João Paulo 2º ficou
menos tempo, pouco mais de
um dia", na Jordânia. "Agora
serão quatro, já não é a mesma
viagem. Talvez ele queira fazer
um percurso maior com o islã."
O islã na Jordânia, afirma Altemeyer, pode ser considerado
menos rigoroso do que em outros países da região, e mais
aberto ao diálogo, o que interessa ao Vaticano.
"Como a grande preocupação do papa é a Europa laicizada, ir a um país onde a maioria
afirma crer em Deus é quase
como um encontro de parentes
que se estimam bem."
Ao mesmo tempo, há feridas
ainda abertas nas relações inter-religiosas. Ontem um líder
político muçulmano na Jordânia, Zaki Bani Rusheid, ligado
ao grupo radical Irmandade
Muçulmana, disse que o papa
ainda devia desculpas ao islã
por comentários seus de 2006.
Em uma aula na Universidade de Regensburg (Alemanha),
Bento 16 citou a crítica de um
antigo imperador bizantino à
"violência" do islã.
Quanto aos judeus, o episódio do bispo Richard Williamson, que nega a veracidade histórica do Holocausto e foi readmitido à igreja, também causou
ressentimentos.
Imagem do muro
Fatos e declarações que muitos judeus e muçulmanos ainda
veem como "dívidas" recentes
do líder católico devem se somar ao contexto político específico do atual Oriente Médio
para limitar o raio de ação e de
declarações de Bento 16 -e, de
outro lado, para tornar qualquer tomada de posição potencialmente mais explosiva.
O cuidado com cada palavra e
possível imagem ficou claro ontem, quando palestinos, pressionados por Israel, disseram
ter abandonado a ideia de receber Bento 16 em local próximo
ao muro que Israel constrói na
Cisjordânia.
Com ou sem imagem televisiva do muro, o atual governo
israelense, liderado pelo primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, é contrário à solução
tradicionalmente defendida
por igreja, países europeus,
ONU e países árabes de dois Estados nacionais na região-um
deles para os palestinos.
"Há uma radicalização dos
dois lados", diz o sociólogo
Francisco Borba, do Núcleo Fé
e Cultura da PUC-SP, o que, segundo ele, torna difícil para
Bento 16 repetir dois gestos expressivos de João Paulo 2º em
relação aos palestinos.
Um mês antes de viajar para
a Terra Santa, em 2000, o papa
fez uma declaração conjunta
com a Autoridade Nacional Palestina defendendo a posição
histórica da igreja favorável à
administração internacional de
Jerusalém. Em Belém, ele reiterou o direito dos palestinos a
um Estado autônomo.
Tanto Borba quanto Altemeyer consideram "mais difícil"
para Bento 16 fazer uma declaração semelhante neste momento. "Mas o papa também
nunca se submeteu a algo que
fosse contra a verdade", pondera Altemeyer. "De maneira delicada, diplomática, ele pode vir
a dizer coisas que a humanidade espera."
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