São Paulo, terça-feira, 08 de junho de 2004

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ACADEMIA

Kenneth Maxwell deixa Council on Foreign Relations e acusa ex-secretário de pressionar revista a não publicar carta sua

Rixa com Kissinger afasta brasilianista

RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

O historiador e brasilianista Kenneth Maxwell renunciou ao seu cargo de diretor de estudos sobre a América Latina no Council on Foreign Relations (Conselho de Relações Exteriores), um dos mais importantes centros de estudos dos EUA, em protesto, segundo ele, a uma interferência do ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger, que teria impedido a publicação de uma carta sua na revista "Foreign Affairs", ligada ao CFR.
Maxwell anunciou sua renúncia em maio, em cartas ao presidente do CFR, Richard Haass, e ao editor da "Foreign Affairs", uma mais respeitadas publicações sobre relações internacionais, James Hoge.
A "Foreign Affairs" havia publicado uma resenha de Maxwell em novembro sobre o livro "O Arquivo Pinochet", do historiador Peter Kornbluh, que trata do golpe que derrubou o presidente chileno Salvador Allende, em 1973, e da participação americana no episódio -à época, Kissinger era o secretário de Estado.
Na edição seguinte, a revista publicou uma carta de William Rogers, que trabalhou sob o comando de Kissinger como secretário assistente para a América Latina no período do golpe e que hoje é vice-presidente de sua empresa de consultoria -a Kissinger Associates-, em que afirmava que não há provas concretas da participação americana no episódio.
Kissinger e Rogers são membros do CFR, embora não façam parte da equipe de especialistas empregados pela entidade.
Seguiu-se uma réplica de Maxwell, uma tréplica de Rogers, e o brasilianista, por decisão do editor da revista, não pôde publicar um texto final de resposta.
Na sua carta de renúncia a Hoge, Maxwell afirma: "Foi deixado abundantemente claro para mim [...] que houve intensa pressão sobre você, sobre a "Foreign Affairs" e sobre [...] o CFR, por parte de Henry Kissinger e outros, para encerrar esse debate sobre responsabilidades e o papel do sr. Kissinger no Chile dos anos 70".
Maxwell diz que a decisão da revista faz parte do "ambiente" dos EUA pós-11 de Setembro:
"Tive um período feliz e produtivo aqui. Isso tem a ver com a atmosfera em geral do país, que passou a ser um lugar bem menos aberto para o debate público".
Ele diz ter sido cuidadoso em sua resenha: "O que está provado é que os EUA tiveram participação nas condições que levaram ao golpe. Fui bastante cauteloso. Essa é a ironia. O golpe foi feito por chilenos, e disse isso bem claramente no artigo".
Rogers respondeu, em carta à publicação, afirmando que não há "smoking gun" (prova definitiva) para o envolvimento dos EUA na queda de Allende. Maxwell retrucou dizendo que não era isso que ele procurava, e reafirmou seu argumento.
Rogers acertou com o editor escrever a última carta, segundo Hoge, por ter compreendido que Maxwell insinuava, em sua resposta, que os americanos teriam tido participação no atentado que matou Orlando Letelier -que fora chanceler de Allende- em 1976, nos EUA. Maxwell nega e diz que defendia que os americanos apenas falharam em impedir assassinatos de opositores aos militares latino-americanos.
"O argumento é que essa foi uma tragédia que poderia ter sido evitada. Outros assassinatos de membros da oposição planejados pela [Operação] Condor na Europa foram evitados porque os EUA avisaram os governos em questão", diz o trecho em disputa.
"Eles não poderiam trocar cartas para sempre", disse Hoge à Folha, explicando que compreendeu que a última resposta de Rogers se referia a apenas um aspecto da carta de Maxwell, e não ao debate como um todo.
Maxwell diz que em momento algum foi informado de que havia o acordo para que aquela resposta de Rogers fosse a última.
Hoge nega as acusações de que teria sofrido pressões de Kissinger. "Ele nem sabia da troca de cartas", disse. Questionado sobre como poderia saber disso, declarou que ligou para o ex-secretário há uma semana para comentar o caso. Hoge diz ainda que recebeu uma ligação de Peter Peterson, presidente do Conselho de Diretores do CFR, dizendo que Kissinger havia ficado insatisfeito com a resenha de Maxwell, mas que isso não teve nenhuma influência na sua decisão de encerrar o debate.
A vice-presidente de comunicação do CFR, Lisa Shields, declarou que ninguém na entidade "pressionou Jim Hoge sobre que artigos publicar".


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