São Paulo, quinta-feira, 08 de junho de 2006

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Relatório detalha seqüestro de suspeitos pelos EUA

Conselho da Europa cita a CIA e implica 14 países europeus; acusados negam

Investigação aponta para abusos de direitos humanos e afirma que acusados de terrorismo eram levados a países que os torturavam


DA REDAÇÃO

Relatório divulgado ontem pela comissão de direitos humanos do Conselho da Europa acusa 14 países europeus e uma dezena de norte-africanos ou do Oriente Médio de terem integrado, com a CIA- agência de inteligência americana- uma rede de seqüestros de supostos terroristas.
Os seqüestrados eram entregues a países onde há prática de tortura, para interrogatório, ou levados a prisões americanas no Iraque, Afeganistão e em Guantánamo (Cuba).
A investigação foi chefiada pelo senador suíço Dick Marty. Ele se queixa das dificuldades que enfrentou para levantar informações de fontes oficiais e insinua que os países suspeitos deliberadamente o boicotaram.
Baseou-se em entrevistas, planos de vôo de aviões utilizados nas operações e em depoimentos de algumas das vítimas.
O Conselho da Europa não é um tribunal. O documento será utilizado para que entidades de direitos humanos pressionem os países envolvidos a admitirem a participação nessa rede clandestina e na violação dos procedimentos penais que deveriam normalmente orientar a repressão ao terrorismo.
"Está agora claro que, apesar de não termos ainda desvendado toda a verdade, autoridades de muitos países europeus participaram ativamente com a CIA nessas atividades ilegais", diz o senador Marty.

"Sem indícios"
Em Washington, o porta-voz do Departamento de Estado, Sean McCormack, chamou o relatório de "prato requentado" e disse não ver "nenhum indício" sólido que dê embasamento às informações.
Em Berlim, um porta-voz da chanceler Angela Merkel disse que o governo "examinaria cuidadosamente" as acusações de envolvimento alemão, que remontam à gestão anterior.
Espanha, Polônia e Romênia negaram envolvimento, enquanto, em Londres, o premiê Tony Blair afirmou que o relatório "nada acrescenta".
Resumidamente, o documento acusa a Polônia e a Romênia de manter prisões clandestinas operadas em conjunto com a CIA. Outros países -como Alemanha, Turquia, Espanha, Chipre e Azerbaijão foram utilizados como escalas em vôos no transporte de seqüestrados. A Suécia, a Bósnia, o Reino Unido, a Macedônia, a Alemanha e a Turquia entregaram suspeitos aos americanos.
Há, por fim, países que recebiam, interrogavam e torturavam os presos. Entre outros, são apontados o Egito, a Argélia, a Jordânia, o Paquistão, o Afeganistão e o Iraque. Irlanda e Portugal também são citados.
O Conselho da Europa, que determinou a investigação, é visto no continente como o colegiado mais atento e sensível a questões der direitos humanos. Foi criado em 1949 e é hoje integrado por 46 países.
As 67 páginas do relatório de Dick Marty não entram no mérito, nos 17 casos citados, dos vínculos dos suspeitos com o terrorismo islâmico. Cita caso de inocentes, como o alemão de origem libanesa Khaled Masri, seqüestrado na Macedônia, transportado ao Afeganistão e libertado no ano seguinte.
Mas há também o caso de Mohammed Zammar, alemão de origem síria, mais que certamente ligado à Al Qaeda.
Esses seqüestros também têm sido investigados pelo Parlamento Europeu. As vítimas, segundo estimativas, seriam em número três vezes maior que o agora anunciado.
As alegações contra a CIA também levaram a Comissão de Inteligência do Senado americano a aprovar recentemente um dispositivo que obriga o chefe da Inteligência do país, John Negroponte, a prestar informações sobre prisões clandestinas ao Congresso.
O senador suíço dedica dois parágrafos de seu relatório a negar que esteja empenhado num exercício de antiamericanismo. Afirma que "os Estados Unidos são uma grande democracia", por mais que escalões de seu governo tenham "perdido a dimensão daquilo que é juridicamente aceitável na guerra ao terrorismo".


Com agências internacionais

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