São Paulo, domingo, 08 de julho de 2001

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MÉXICO-EUA

Fronteira em transe

Morte de imigrantes ilegais no deserto do Arizona relança a discussão sobre o futuro da fronteira entre México e EUA

RODRIGO PENA MAJELLA
DA REDAÇÃO

A fronteira entre as Américas rica e pobre está novamente em xeque. A morte de 14 imigrantes ilegais no deserto do Arizona, em maio, colocou de novo na berlinda o futuro da linha divisória entre Estados Unidos e México.
O sofrimento dos migrantes é aviltante, e a dependência mexicana é notória -as remessas de seus cidadãos trabalhando no território vizinho, que no primeiro trimestre de 2001 somaram US$ 2,1 bilhões, são atualmente a terceira fonte de renda do México. Mas a força motriz das negociações binacionais, que ganharam novo impulso a partir da tragédia, é o fato de que a economia americana estreita sua parceria com o vizinho do sul e está cada vez mais dependente da mão-de-obra mexicana. Há 20,6 milhões de pessoas de origem mexicana nos EUA -até 11 milhões estão como ilegais-, uma comunidade que constitui 7,3% da população total.
O que se questiona agora é se a Casa Branca pretende tratar os integrantes desse enorme contingente de trabalhadores apenas como braços ou dar-lhes a chance de serem cidadãos.
Conforme haviam prometido em suas campanhas eleitorais, os presidentes George W. Bush e Vicente Fox, eleitos no ano passado, colocaram seus funcionários para discutir projetos sobre meios de regular o fluxo migratório, evitar novas mortes na fronteira e empregar a mão-de-obra mexicana.
Por enquanto, porém, o que resultou desse debate não agradou nem representantes dos migrantes nem especialistas na questão. As propostas são apontadas como inócuas pelos mais moderados ou como insidiosos subterfúgios pelos mais exaltados.
O Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte, bloco econômico formado por EUA, Canadá e México) produziu um grande intercâmbio entre mexicanos e americanos. O enriquecimento do norte do México não cumpriu, porém, a expectativa de que o comércio seria capaz de produzir riqueza suficiente para manter os mexicanos em seu país. Ao mesmo tempo em que foi liberada a circulação de bens e serviços, foi fortificada a barreira contra o trânsito humano.
Os EUA gastam hoje cerca de US$ 2 bilhões para impedir que os mexicanos entrem no país. O contingente policial foi aumentado, e a fronteira incorporou tecnologias de ponta. Os ilegais continuam a avançar, entretanto.
Só no ano passado, 491 mexicanos morreram tentando atravessar desertos e rios americanos. Uns morreram no caminho, por cansaço, desidratação ou frio. Outros foram abandonados no meio do nada pelos chamados coyotes, homens que cobram até US$ 2.500 de cada migrante pelo trabalho de conduzir as pessoas através da fronteira. Até 22 de junho deste ano, mais 157 morreram.
Mais do que as dificuldades e os altos custos da vigilância fronteiriça, o que tem levado os EUA a discutir a entrada de mexicanos é a dependência em relação a eles. Empresários americanos têm até cruzado a fronteira em busca de empregados. Não são poucos os que ainda prevêem uma apocalíptica "mexicanização" dos EUA, mas o pragmatismo está se sobrepondo ao preconceito.
"A mão-de-obra mexicana é um fator fundamental em várias áreas da economia dos EUA, tais como agricultura, construção, processamento de alimentos, jardinagem, serviços de vigilância e manutenção em prédios, fabricação de tapetes e tecidos etc.", afirma Wayne Cornelius, professor da Universidade da Califórnia, em San Diego, e uma das maiores autoridades sobre imigração de mexicanos para os EUA. "Mas são também uma parte essencial na força de trabalho em muitas empresas de alta tecnologia."
"É uma estratégia econômica, que aproveitou a comoção causada pelas mortes no deserto do Arizona. Os EUA têm necessidade de trabalhadores, e o México, de empregos", afirma Joel Magallán, presidente da Coalizão Nacional pela Dignidade e pela Anistia dos Imigrantes Indocumentados, uma das principais representantes dos imigrantes mexicanos.
Os projetos para o futuro funcionamento da fronteira, além de controversos, são ainda muito incipientes. Fox manifestou o desejo de que houvesse livre circulação de pessoas, como ocorre na União Européia. A idéia é apoiada pelo jornal econômico "Wall Street Journal", por exemplo, mas conta com pouquíssimo respaldo no Congresso americano.
"Será gradualmente aberta, mas não completamente. Existem poderosos políticos que se opõem à imigração e pessoas que ainda vêem a fronteira meridional como uma área perigosa que precisa ser controlada", diz Nestor Rodriguez, professor da Universidade de Houston.



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