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CONTROVÉRSIA
Ministério da Saúde canadense já encomendou a primeira leva da erva a uma empresa de biotecnologia
Canadá legaliza uso medicinal da maconha
MARGARETE MAGALHÃES
DA REDAÇÃO
A maconha será usada legalmente para fins medicinais no
Canadá até o final deste mês, com
o apoio e a regulamentação do
Ministério da Saúde. Um dos objetivos do órgão é reunir dados
científicos para provar que a planta ajuda no tratamento de pacientes com doenças como esclerose
múltipla, glaucoma, epilepsia, alguns tipos de câncer e Aids. Dentre alguns efeitos conhecidos, a
Cannabis sativa -nome científico da planta- evita enjôos e alivia os efeitos colaterais da quimioterapia.
As novas regras, resultado de
uma decisão da Justiça favorável
ao uso medicinal da maconha em
31 de julho de 2000, ajudaram a
criar comitês no Parlamento. E o
assunto polêmico deve ser ampliado para o debate da descriminalização da droga no Canadá.
"A questão [do uso da maconha
para fins medicinais" trouxe o debate da descriminalização e da legalização a público. Parece ser um
processo", disse à Folha Peter
Mackay, membro do Partido
Conservador (oposição), contrário às novas regras.
De fato, a mudança só foi possível após a Corte de Apelações de
Ontário ter aprovado o uso legal
da erva no caso do Estado contra
Terrence Parker, que fumava para
reduzir crises epilépticas.
Segundo a Associação Médica
Canadense, dos 1,9 milhão de
usuários, 400 mil fumam cânabis
para combater efeitos de doenças.
A população total do país é de 30
milhões de habitantes. Desde
1999, para fugir da ilegalidade, 264
pessoas batalharam na Justiça para poder usá-la sem violar a lei.
O Ministério da Saúde do Canadá quer deixar o "processo mais
simples e transparente", disse a
porta-voz Roslyn Tremblay. A
partir de agora, está liberado o
cultivo para doentes terminais. Os
pacientes com uma prescrição
médica podem receber uma identificação do governo para receber
o tratamento em clínicas, explicou Tremblay. "Mas tudo está por
acontecer. Nem tudo está claro."
O fornecedor da erva já foi definido. Em dezembro do ano passado o ministro da Saúde, Allan
Rock, fechou o contrato de US$
5,75 milhões com uma empresa
de biotecnologia, a Prairie Plant
System, por cinco anos (leia entrevista ao lado), e a primeira encomenda chega no final do ano.
Tremblay diz que o Ministério
da Saúde poderá "avaliar os riscos
e os benefícios e gerar dados médicos e científicos capazes de determinar o impacto ou a eficácia"
da droga. Essa é uma das principais críticas dos opositores à liberalização da maconha para uso
medicinal, já que o produto ainda
não é considerado terapêutico.
"Tenho preocupações com as
implicações médicas", disse Mackay. Para o parlamentar, o uso
contínuo expõe as pessoas às
mesmas substâncias cancerígenas
presentes no tabaco.
Nos EUA, há dois meses, a Suprema Corte proibiu, por 8 votos
a 0, a distribuição da maconha feita por cooperativas para os doentes. A justificativa do tribunal foi a
falta de comprovação científica de
benefícios à saúde.
A intenção de passar do uso medicinal para etapas como a descriminalização e a legalização deve
enfrentar obstáculos nos altos círculos no Canadá e protestos do
governo norte-americano.
Dos parlamentares do Partido
Conservador, 70% se opõem à
descriminalização. "O uso da maconha pode levar as pessoas a
consumir drogas como cocaína e
heroína", diz Mackay.
O atual premiê, Jean Chrétien,
do Partido Liberal, também não
se mostra disposto a avançar a
discussão para além do uso terapêutico. Em maio, disse que a descriminalização "não fazia parte da
agenda".
Apesar da resistência em setores
do governo, o público vê a questão com outros olhos. O produto
até ganhou uma vitrine chique na
The Friendly Stranger, uma loja
de Toronto, de 260 m 2, que expõe
camisetas, acessórios e óleos fabricados a partir de canabinóides.
E, segundo uma nova pesquisa
nacional, coordenada pelo sociólogo Reginald Bibby, da Universidade de Lethbridge, 47% dos canadenses aprovam a legalização
da droga, contra 30% nos começo
dos anos 80 e 90.
Pressão americana
Apesar do crescimento de um
consenso em direção à descriminalização, há forte pressão dos
EUA para que ela não ocorra. Para comprovar a irritação norte-americana, o professor do departamento de psicologia da Universidade Simon Fraser, em Vancouver, e membro da Fundação Canadense de Política de Drogas,
Barry Beyerstein, cita que os EUA
anunciaram a abertura de um escritório da agência americana de
combate às drogas em Vancouver
(costa oeste do Canadá).
"Nossa economia é dominada
pelos EUA, duvido que eles [governo canadense" tomem alguma
iniciativa que contrarie George
W. Bush", afirmou Beyerstein.
De fato, o governo dos EUA
classifica como um "desastre"
uma eventual decisão canadense
autorizando a legalização da maconha. "Estamos acompanhando
a discussão de perto", disse recentemente um representante do governo ao jornal "The Wall Street
Journal".
A polícia federal do Canadá, a
RCMP (sigla em inglês para Polícia Real Montada do Canadá), estima que o país produza anualmente 800 toneladas da planta, a
maioria exportada para os EUA.
"Os EUA recebem muita maconha pela fronteira com a Colúmbia Britânica, maior produtora no
país", disse Paddy Torsney, presidente do novo comitê especial sobre o uso de drogas ilegais, que a
partir de setembro estudará métodos para lidar com viciados em
cocaína, heroína e ecstasy.
Para Torsney, a percepção dos
americanos e canadenses com relação ao combate às drogas é
"muito diferente". Enquanto os
americanos usam um modelo de
combate por meio da repressão
policial, no Canadá o método é
utilizar a área da saúde para prevenir o vício.
"Se compararmos os dois sistemas, nós queremos cortar a demanda, e os EUA, a oferta."
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