São Paulo, sexta-feira, 08 de julho de 2005

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ANÁLISE

Pequeno sucesso, grande fracasso

NELSON ASCHER
COLUNISTA DA FOLHA

Depois de 11 de Setembro de 2001, fanáticos religiosos perpetraram atentados nos quatro cantos do planeta. Todos tinham muito em comum. Alvejavam, contra as regras da guerra e os acordos de direitos humanos, civis indefesos e eram, assim, crimes contra a humanidade. Acarretavam dor e prejuízo a todos sem beneficiar ninguém, exceto a sede de sangue dos perpetradores e seus aliados. E foram todos, sem exceção, anticlimáticos.
Os ataques de ontem a Londres foram menos "eficazes" do que os anteriores a Madri, Bali, Nova York, Washington ou o conjunto de atentados genocidas e antijudaicos em Israel. Dizem que o terrorista kamikaze é a bomba atômica dos pobres. No entanto, as democracias ricas vêm, malgrado reveses ocasionais, obtendo vitórias sem recorrer às suas próprias bombas atômicas, as de verdade.
Os atentados londrinos foram um pequeno sucesso e um grande fracasso. O Reino Unido está habituado ao terrorismo desde os anos 70, quando o IRA (Exército Republicano Irlandês) declarou guerra contra seus cidadãos.
O IRA não atingiu suas metas, mas levou os serviços de segurança britânicos a acumularem uma experiência raramente encontrada em outras partes. Que os ataques de ontem, envolvendo muita gente e grande complexidade operacional, não tivessem sido prevenidos, é o pequeno sucesso e prova que há no país e na Europa redes de conspiradores que nem começaram a ser penetradas.
Por outro lado, a carnificina, tão pouco espetacular se comparada com a de quatro anos atrás, indica que polícia e serviço secreto britânicos vêm conseguindo negar aos assassinos o acesso a grandes quantidades de explosivos, a armas não convencionais etc.
É razoável supor que os eventos recentes tenham sido a exceção: Londres é, há anos, um alvo potencial desse tipo de terror e pode-se imaginar que dúzias de planos piores já foram desbaratadas. Inevitavelmente, ataques assim dão certo de quando em quando, mas quase três décadas de campanha do IRA ou as bombas nazistas sobre a mesma cidade não dobraram seus habitantes, pois esses sabem como lidar com os inimigos, ou seja, revidando, levando a guerra a seus lares e territórios.
Não existe, portanto, a hipótese de que os fanáticos vençam. Eles pagaram caro por subestimarem os EUA, perdendo sua base principal no Afeganistão, seu aliado mais promissor, o Iraque, e milhares ou dezenas de milhares de combatentes. Eles também calcularam errado no caso de Israel e nada sugere que tenham acertado ao desafiar os britânicos. Pelo contrário: estes tentavam manter uma sociedade tão aberta que dava refúgio até a gente acusada de participar dos atentados de meados dos anos 90 na França, para nem falar de radicais perseguidos em suas próprias terras. Tamanha tolerância valeu à capital do reino o apelido de Londonistão, um apelido que ela em breve perderá.
A principal arma dos terroristas não são os explosivos, o desejo de matar indiscriminadamente, nem a predisposição a morrer com suas vítimas. Seu principal recurso é a abertura e a tolerância das sociedades democráticas, que escancaram as próprias fronteiras e respeitam escrupulosamente as próprias leis. Como a barreira defensiva israelense demonstra, algumas poucas medidas profiláticas tornam o terror quase inviável. Esse é um exemplo que será seguido nas Ilhas Britânicas.
Seus habitantes têm, em Tony Blair, um líder despido de ilusões reconfortantes. Ele sabe que não adianta fazer concessões a fanáticos e que a causa profunda do terrorismo é a existência mesma de terroristas, bem como a difusão de suas idéias e ideologias. Blair foi talvez o primeiro líder mundial a compreender a importância do 11 de Setembro e, apesar de opositores em seu país e partido, os eleitores aprovaram sua análise e decisões elegendo-o pela terceira vez. Alguns comentadores crêem que estes se voltarão contra o primeiro-ministro. Mais provável é que ocorra o contrário, e ele saia fortalecido do incidente.
Tal fortalecimento será auspicioso caso se conjugue a uma consciência mais profunda das causas da atual guerra planetária. Povos ricos tendem a pensar que a miséria leva ao desespero e este à violência. A seqüência causal é, no entanto, exatamente a inversa. O mundo está diante de um culto ao poder, à violência e à morte que é, ele sim, o causador de miséria e se nutre não do desespero, mas da esperança de vitória de fanáticos insanos. Este culto só pode ser detido e derrotado mediante o uso de uma violência maior e mais precisa, dirigida contra seus agentes e propagadores.


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