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ANÁLISE
Pequeno sucesso, grande fracasso
NELSON ASCHER
COLUNISTA DA FOLHA
Depois de 11 de Setembro de
2001, fanáticos religiosos
perpetraram atentados nos quatro cantos do planeta. Todos tinham muito em comum. Alvejavam, contra as regras da guerra e
os acordos de direitos humanos,
civis indefesos e eram, assim, crimes contra a humanidade. Acarretavam dor e prejuízo a todos
sem beneficiar ninguém, exceto a
sede de sangue dos perpetradores
e seus aliados. E foram todos, sem
exceção, anticlimáticos.
Os ataques de ontem a Londres
foram menos "eficazes" do que os
anteriores a Madri, Bali, Nova
York, Washington ou o conjunto
de atentados genocidas e antijudaicos em Israel. Dizem que o terrorista kamikaze é a bomba atômica dos pobres. No entanto, as
democracias ricas vêm, malgrado
reveses ocasionais, obtendo vitórias sem recorrer às suas próprias
bombas atômicas, as de verdade.
Os atentados londrinos foram
um pequeno sucesso e um grande
fracasso. O Reino Unido está habituado ao terrorismo desde os
anos 70, quando o IRA (Exército
Republicano Irlandês) declarou
guerra contra seus cidadãos.
O IRA não atingiu suas metas,
mas levou os serviços de segurança britânicos a acumularem uma
experiência raramente encontrada em outras partes. Que os ataques de ontem, envolvendo muita
gente e grande complexidade
operacional, não tivessem sido
prevenidos, é o pequeno sucesso e
prova que há no país e na Europa
redes de conspiradores que nem
começaram a ser penetradas.
Por outro lado, a carnificina, tão
pouco espetacular se comparada
com a de quatro anos atrás, indica
que polícia e serviço secreto britânicos vêm conseguindo negar aos
assassinos o acesso a grandes
quantidades de explosivos, a armas não convencionais etc.
É razoável supor que os eventos
recentes tenham sido a exceção:
Londres é, há anos, um alvo potencial desse tipo de terror e pode-se imaginar que dúzias de planos
piores já foram desbaratadas. Inevitavelmente, ataques assim dão
certo de quando em quando, mas
quase três décadas de campanha
do IRA ou as bombas nazistas sobre a mesma cidade não dobraram seus habitantes, pois esses sabem como lidar com os inimigos,
ou seja, revidando, levando a
guerra a seus lares e territórios.
Não existe, portanto, a hipótese
de que os fanáticos vençam. Eles
pagaram caro por subestimarem
os EUA, perdendo sua base principal no Afeganistão, seu aliado
mais promissor, o Iraque, e milhares ou dezenas de milhares de
combatentes. Eles também calcularam errado no caso de Israel e
nada sugere que tenham acertado
ao desafiar os britânicos. Pelo
contrário: estes tentavam manter
uma sociedade tão aberta que dava refúgio até a gente acusada de
participar dos atentados de meados dos anos 90 na França, para
nem falar de radicais perseguidos
em suas próprias terras. Tamanha
tolerância valeu à capital do reino
o apelido de Londonistão, um
apelido que ela em breve perderá.
A principal arma dos terroristas
não são os explosivos, o desejo de
matar indiscriminadamente, nem
a predisposição a morrer com
suas vítimas. Seu principal recurso é a abertura e a tolerância das
sociedades democráticas, que escancaram as próprias fronteiras e
respeitam escrupulosamente as
próprias leis. Como a barreira defensiva israelense demonstra, algumas poucas medidas profiláticas tornam o terror quase inviável. Esse é um exemplo que será
seguido nas Ilhas Britânicas.
Seus habitantes têm, em Tony
Blair, um líder despido de ilusões
reconfortantes. Ele sabe que não
adianta fazer concessões a fanáticos e que a causa profunda do terrorismo é a existência mesma de
terroristas, bem como a difusão
de suas idéias e ideologias. Blair
foi talvez o primeiro líder mundial a compreender a importância
do 11 de Setembro e, apesar de
opositores em seu país e partido,
os eleitores aprovaram sua análise
e decisões elegendo-o pela terceira vez. Alguns comentadores
crêem que estes se voltarão contra
o primeiro-ministro. Mais provável é que ocorra o contrário, e ele
saia fortalecido do incidente.
Tal fortalecimento será auspicioso caso se conjugue a uma
consciência mais profunda das
causas da atual guerra planetária.
Povos ricos tendem a pensar que
a miséria leva ao desespero e este
à violência. A seqüência causal é,
no entanto, exatamente a inversa.
O mundo está diante de um culto
ao poder, à violência e à morte
que é, ele sim, o causador de miséria e se nutre não do desespero,
mas da esperança de vitória de fanáticos insanos. Este culto só pode ser detido e derrotado mediante o uso de uma violência maior e
mais precisa, dirigida contra seus
agentes e propagadores.
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