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SABATINA FOLHA
SIMON SCHAMA
Governo Obama é principal tema de conversa com o autor de "O Futuro da América"
"Hegemonia americana só durou cinco minutos"
A HEGEMONIA global dos Estados Unidos
durou "cinco minutos", e jamais houve o
tal "século americano" preconizado pelo
editor Henry Luce (1898-1967). Apenas
"um idiota" não acredita que países emergentes, como Brasil, Rússia e China, terão um papel cada vez
mais central no futuro.
Essa é uma amostra das frases de efeito que Simon
Schama, 64, historiador britânico e professor da
Universidade Columbia, nos EUA, onde está radicado há 30 anos, alinhavou em sabatina promovida
pela Folha, anteontem.
A sabatina foi conduzida pela editora da Ilustrada, Sylvia Colombo, pelo editor de Mundo, Rodrigo Rötzsch, e pelos repórteres da Folha Claudia
Antunes e Rafael Cariello.
DA REPORTAGEM LOCAL
Schama faz roteiros de séries
históricas para a TV e escreve
seus livros para alcançar o público além da academia.
Em duas horas de sabatina,
ele confirmou a fama de "showman", com tiradas que fizeram
a plateia rir, mesmo ao abordar
temas sérios.
Num momento, chegou a furar com uma caneta dourada o
copinho d'água que não conseguia abrir. Quebrou dois fones
que usou para a tradução simultânea e fez piada disso
("Quantos mais vocês têm?").
O autor de "O Futuro da
América" (Companhia das Letras) -que é na verdade sobre a
formação do país e as vertentes
que desembocaram na eleição
de Barack Obama, de quem é
fã- conta que buscou inspiração em Norman Mailer (de "A
Luta"), Lester Bangs (famoso
pelas reportagens insultuosas
na "Rolling Stone") e Tom Wolfe, um dos criadores do "novo
jornalismo", estilo que busca
dosar reportagem e literatura.
Leia os principais trechos:
HEGEMONIA DOS EUA
"Eu teria de ser um idiota para não acreditar [na ascensão
dos países que formam o Bric,
Brasil, Rússia, Índia e China].
Os EUA foram hegemônicos
por cinco minutos. Do colapso
da União Soviética até os sérios
problemas estruturais na economia americana. O período
definido por Henry Luce como
o século americano foi contestado pela União Soviética, então na verdade nunca houve
um século americano.
É claro que os EUA terão
uma diminuição de seu papel,
com o crescimento de longo
prazo de Brasil, Rússia e Índia.
Com a China, formam uma dupla estranha, mas destinada a
marchar junta para o futuro.
Não consigo pensar em nenhum outro cenário, não importam a velocidade nem quantos obstáculos no caminho.
Os americanos agora não são
ingênuos, não têm mais aquilo
de bater no peito e dizer "somos
e sempre vamos ser o número
1". O excepcionalismo e a singularidade americanos terão de
ser definidos por outra coisa
que não puro poderio militar
ou músculo econômico."
SEM REPETIÇÃO
"A história, na verdade, nunca se repete. Estamos numa crise tão ruim quanto a da década
de 30, mas é outra crise. Não
podemos simplesmente importar uma solução de 1933 e
dizer "tem de funcionar agora".
Odeio a comparação entre as
guerras do Afeganistão e do
Vietnã. Se o Afeganistão for um
desastre, será um desastre por
si só, não um novo Vietnã."
O HISTORIADOR
"O historiador no passado
era alguém que gritava na ágora, da tribuna. Existiu uma mudança, de história oral, para os
monges escrevendo em monastérios, e outra quando a imprensa surgiu. Devemos ser
muito abertos e livres para o
modo como comunicamos. A
história não tem a ver com
idealizar nossos ancestrais,
mas com encontrar nossos antecessores, para caminhar juntos para o futuro.
A história popular seria trivial e, possivelmente, mentirosa, sem a acadêmica. A acadêmica, sem ser veiculada, seria
estreita e sem vida."
O GOVERNO OBAMA
"Obama ainda não decidiu se
quer ser um confrontacionista,
para fazer reengenharia social,
ou se quer apenas consertar o
carro batido que é o sistema
bancário americano. (...) Obama não quer administrar os
bancos, mas ele vê um papel para o governo como uma espécie
de árbitro social, ele não tem
medo de um papel mais forte
na vida americana."
A VIDA DE OBAMA
"O fato crucial sobre Obama
é o Havaí. Não dá para entender
Obama sem entender o Havaí.
É o Estado mais liberal, intervencionista e pró-social dos
EUA. É um Estado de comunidades asiáticas, com uma forte
tradição paternalista, e esse é o
Estado onde ele cresceu.
Obama representa a África (o
pai era queniano), a Ásia (viveu
anos na Indonésia) e o coração
dos EUA (familiares no Kansas). Em sua criação e em seus
interesses culturais, Obama
pertence a todos vocês, como
pertence a todos nós.
Ele parece ser um tipo completamente diferente de americano. Mas, adivinhe: esse tipo
sempre esteve lá. Os anos Reagan e Bush nos fizeram esquecer que esse tipo de americano
era uma possibilidade."
KATRINA, IRAQUE
"O momento em que o governo Bush perdeu a legitimidade
não foi o Iraque, foi o [furacão]
Katrina. A imagem do presidente voando sobre Nova Orleans, enquanto víamos corpos
boiando na água, foi revoltante
para americanos da esquerda e
da direita, negros e brancos.
Foi aquele momento que matou a ideia de Ronald Reagan de
que o governo não é a solução, é
o problema. Ninguém nos EUA,
nem eu, acredita que o governo
tem todas as respostas. Mas há
um espaço maior em épocas de
grande miséria social."
O FIM DOS AIATOLÁS
"Esse regime [no Irã] tem um
cheiro de morte ao seu redor?
Sim. Aposto com vocês que não
existirá em sete anos. Cinco é
muito cedo, e dez é demais."
OBAMA E LULA
"Os dois são muito confortáveis com o que são. Mas Obama
é alguém que se vê como um
político professoral. Lula não
se vê assim. Acho que [Bill]
Clinton e Lula são mais parecidos. Eles são exatamente o que
parecem. Não existe uma mão
que Clinton não vá apertar.
Obama não é assim, ele não é
um populista instintivo."
Assista à sabatina com
Simon Schama
www.folha.com.br/091881
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