São Paulo, quarta-feira, 08 de agosto de 2007

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Britânico quer se distanciar dos EUA, mas na verdade faz favor a George W. Bush

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

A primeira leitura, óbvia, é que Gordon Brown não é Tony Blair -e faz todo o esforço para se descolar da figura de seu antecessor e amigo de longa data. Como decidiu a imprensa britânica, se o segundo foi apelidado (pela mesma imprensa) de "o poodle de Bush", pela subserviência à política externa do presidente norte-americano, o segundo está mais para um "buldogue" independente.
No encontro dos dois líderes, há uma semana, em Camp David, o premiê rebatia tentativas de intimidade ao chamar George W. Bush de "senhor presidente" ou "o presidente Bush" -embora esse tenha tentado emplacar um ou outro "Gordon". Na coletiva de imprensa, o britânico chegou até a usar o jargão diplomático para discussão acalorada -tiveram "uma conversa franca", disse.
Mas ao pedir ontem que sejam soltos os cinco estrangeiros com permissão para viver no Reino Unido que ainda se encontram na prisão militar da base norte-americana em Guantánamo, Cuba, o recém-empossado premiê na verdade faz um favor a seu colega.
O "arquipélago Gulag" do presidente republicano, como chamou a colunista Maureen Dowd, do "New York Times", tornou-se um elefante no meio da sala do atual governo, uma aberração jurídica criticada por ambos os lados do espectro político. Seu fechamento já foi sugerido até pelo atual ministro da Defesa, Robert Gates.
O senador republicano John McCain, um dos mais convictos apoiadores da Guerra do Iraque, foi além. Disse que, se eleito presidente, fechará "imediatamente" Guantánamo, transferirá todos os prisioneiros para a base militar Fort Leavenworth, no Kansas, e agilizará o processo judicial dos detidos.
Esses são cerca de 370 e se encontram numa espécie de limbo jurídico. O presidente Bush declarou alguns deles "combatentes inimigos ilegais" e, no ano passado, conseguiu que fossem aprovadas comissões militares especiais para os julgar. Em junho último, no entanto, dois juizes militares anularam as acusações contra dois prisioneiros, abrindo um precedente que torna o lugar mais e mais kafkaniano.
Para os juizes, o Pentágono conseguiu provar que ambos eram "combatentes inimigos", mas não "ilegais", pois usavam, por exemplo, uniforme e armas no momento da prisão. Hoje há ali menos de dez prisioneiros com atuação importante em grupos terroristas. É provável que o resto não saiba nem venha a saber do que é acusado.

Burocracia
Dos 370, 80 já foram liberados pelos EUA -um deles está entre os que Brown pede que sejam soltos. Só que não conseguem deixar a ilha, seja por burocracia, seja por se recusarem a voltar a seus países de origem, onde temem a tortura, ou por esses os recusarem de volta.
"Não mantemos detentos presos além do tempo necessário e não temos o desejo de ser a prisão do mundo", disse à Folha, por e-mail, o porta-voz da Marinha dos EUA, J.D. Gordon. "Embora digamos há muito tempo que gostaríamos de fechar Guantánamo, há alguns presos altamente perigosos que, se soltos, representariam grande perigo para a segurança pública internacional."
"A nenhum presidente deveria ser dado o poder unilateral de classificar pessoas como combatentes inimigos e trancafiá-los indefinidamente sem a perspectiva de serem acusados ou julgados", escreveu Anthony Romero, do grupo de defesa dos direitos civis ACLU.


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