São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2010

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Após enchente e exílio, artistas agora sofrem toque de recolher

DA ENVIADA A NOVA ORLEANS

Quando o Katrina devastou Nova Orleans em 2005, o músico Chris Davis, 25, foi forçado a ficar em Baton Rouge (Louisiana), longe da região pobre e negra do Baixo Distrito 9, onde cresceu.
Sua banda, a To Be Continued (TBC), com nove membros também de regiões de baixa renda, acabou espalhada pelos EUA, com membros deslocados para Califórnia, Virgínia e Texas.
Levou mais de seis meses até que se reencontrassem. "Quando voltamos para Nova Orleans, estava tudo em ruínas, mas as pessoas ficaram animadas de nos ver."
Logo voltaram a tocar. Desde 2006, a TBC se apresenta quase todas as noites nas ruas do turístico Bairro Francês.
Mas anos depois de sobreviver a enchentes e exílios, Davis e os tradicionais artistas de rua de Nova Orleans estão sendo obrigados a lidar com uma nova ameaça. A prefeitura resolveu impor um toque de recolher "antibarulho" às 20h, mesmo nos pontos mais famosos pela música noturna.
Os artistas resistem. A TBC já foi interrompida pela polícia três vezes, apenas para voltar no dia seguinte.
Para Lisa Palumbo, agente da banda, o toque de recolher "é mais um golpe" contra gente que já sofreu o suficiente. "A música é uma parte importante da cidade e um marco fundamental da nossa recuperação após o Katrina", disse ela à Folha.

FUTURO INCERTO
A pressão surpreende quando se leva em conta que a presença de músicos de rua em Nova Orleans ainda nem retornou aos níveis pré-furacão. Segundo o Conselho de Arte de Nova Orleans, 25% deles seguem ausentes.
O índice de exílio entre músicos é maior do que o de outros tipos de artistas, explicado pelo fato de que a maior parte dos músicos é oriunda de bairros de renda baixa.
Em outras áreas criativas, o furacão chegou a inflar uma bolha artística na cidade, com fotógrafos, cineastas e escritores usando o trabalho para colocar para fora os horrores vividos.
Eles também se beneficiaram do grande fluxo de dinheiro que invadiu Nova Orleans nos primeiros dois ou três anos após a tragédia, proveniente do governo e de doações privadas.
Só que agora a fonte começa a secar. O Katrina não é mais novidade, e a recessão afastou as contribuições.
Galerias luxuosas da tradicional rua Julia relatam que as vendas dois anos após o furacão eram melhores do que as atuais.
Para os músicos, esse é mais um motivo para manter os sons no ar. "A música é a alma desta cidade", diz Davis. "Se acabar com ela, o que é que vai restar?" (AM)


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