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PÉ NO MANICÔMIO
Autor do clássico beatnik "Pé na Estrada" tinha pretensão a James Joyce, diz Marinha dos EUA
Kerouac sofria de "demência precoce"
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Não foi a única crítica destrutiva sofrida pelo escritor norte-americano Jack Kerouac (1922-69), um dos pais da literatura
beatnik -afinal, seu seminal
"Pé na Estrada" (1957) chegou a
ser classificado de "datilografia,
não literatura" pelo jornalista
Truman Capote (1924-84).
Mas deve ter sido a primeira. É
o que revelam relatórios da Marinha dos Estados Unidos até
ontem reservados, obtidos pelo
site de investigação policial norte-americano "The Smoking
Gun", da emissora Court TV e
baseado em Nova York.
Segundo os textos, de 1943, o
jovem de 18 anos aspirante a marujo estava sendo dispensado
dos serviços militares em plena
Segunda Guerra Mundial por
apresentar "fortes tendências esquizóides, que ainda não atingiram a psicose, mas chegaram
perto", entre outras razões.
Num dos textos, Kerouac afirma ao seu interlocutor médico
que, aos 14 anos, teve contato sexual com uma mulher de 32
anos que o "incomodou de alguma maneira". No mesmo relatório, sua mãe diz acreditar que
"ele seja heterossexual, mas com
pouco interesse por garotas".
Até sua morte, aos 49 anos, o
próprio Kerouac nunca assumiria sua bissexualidade publicamente, a não ser via personagens
de seus livros, principalmente os
da ficção com fortes traços autobiográficos "Pé na Estrada"
("On the Road", no original).
Um segundo relatório, que recomenda a baixa de Kerouac,
ressaltando que ele "não representa uma ameaça pública ou a
ele mesmo", detalha os hábitos
de masturbação do futuro escritor, as bebedeiras, "as vozes e
sinfonias em sua cabeça" e a ambição literária. Aqui, a resenha
dos médicos, J.J. Head, A.S. Levine e M.D. Spottswood, é dura.
"Ele está escrevendo um romance, no estilo de James Joyce,
sobre sua cidade natal e passa
em média 16 horas diariamente
tentando dar forma a ele. Mas isso é apenas uma experiência, e
ele não pretende publicá-la."
Estaria ali provavelmente a semente do livro que, mais de uma
década depois, Kerouac batucou
freneticamente num rolo de telex, sem intervalos nem divisões.
O irlandês Joyce (1882-1941), por
sua vez, apanhava da junta médica por tabela pelo hermetismo
de sua obra principal, "Ulisses".
Kerouac afirmaria que foi levado à enfermaria militar com
apenas dez dias de ativa, em
1942, depois de reclamar de dores de cabeça. Lá, segundo ele,
foi diagnosticado com "traços de
demência precoce" -e nunca
mais voltaria à ativa. Um investigação sobre seus supostos problemas mentais seria aberta e o
levaria à baixa, no ano seguinte.
O site obteve o documento reservado dos arquivos de pessoal
do escritório da Marinha em St.
Louis, no Missouri. Fac-símiles
dos originais podem ser vistos
no endereço www.thesmokinggun.com/archive/
0906052-jack-kerouac-1.html.
Conforme revelou a Folha em
agosto, "Pé na Estrada" vai virar
filme pelas mãos do brasileiro
Walter Salles. Os direitos cinematográficos são de Francis
Ford Coppola, que pode produzir o longa, previsto para 2007.
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