São Paulo, quinta-feira, 08 de setembro de 2005

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PÉ NO MANICÔMIO

Autor do clássico beatnik "Pé na Estrada" tinha pretensão a James Joyce, diz Marinha dos EUA

Kerouac sofria de "demência precoce"

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Não foi a única crítica destrutiva sofrida pelo escritor norte-americano Jack Kerouac (1922-69), um dos pais da literatura beatnik -afinal, seu seminal "Pé na Estrada" (1957) chegou a ser classificado de "datilografia, não literatura" pelo jornalista Truman Capote (1924-84).
Mas deve ter sido a primeira. É o que revelam relatórios da Marinha dos Estados Unidos até ontem reservados, obtidos pelo site de investigação policial norte-americano "The Smoking Gun", da emissora Court TV e baseado em Nova York.
Segundo os textos, de 1943, o jovem de 18 anos aspirante a marujo estava sendo dispensado dos serviços militares em plena Segunda Guerra Mundial por apresentar "fortes tendências esquizóides, que ainda não atingiram a psicose, mas chegaram perto", entre outras razões.
Num dos textos, Kerouac afirma ao seu interlocutor médico que, aos 14 anos, teve contato sexual com uma mulher de 32 anos que o "incomodou de alguma maneira". No mesmo relatório, sua mãe diz acreditar que "ele seja heterossexual, mas com pouco interesse por garotas".
Até sua morte, aos 49 anos, o próprio Kerouac nunca assumiria sua bissexualidade publicamente, a não ser via personagens de seus livros, principalmente os da ficção com fortes traços autobiográficos "Pé na Estrada" ("On the Road", no original).
Um segundo relatório, que recomenda a baixa de Kerouac, ressaltando que ele "não representa uma ameaça pública ou a ele mesmo", detalha os hábitos de masturbação do futuro escritor, as bebedeiras, "as vozes e sinfonias em sua cabeça" e a ambição literária. Aqui, a resenha dos médicos, J.J. Head, A.S. Levine e M.D. Spottswood, é dura.
"Ele está escrevendo um romance, no estilo de James Joyce, sobre sua cidade natal e passa em média 16 horas diariamente tentando dar forma a ele. Mas isso é apenas uma experiência, e ele não pretende publicá-la."
Estaria ali provavelmente a semente do livro que, mais de uma década depois, Kerouac batucou freneticamente num rolo de telex, sem intervalos nem divisões. O irlandês Joyce (1882-1941), por sua vez, apanhava da junta médica por tabela pelo hermetismo de sua obra principal, "Ulisses".
Kerouac afirmaria que foi levado à enfermaria militar com apenas dez dias de ativa, em 1942, depois de reclamar de dores de cabeça. Lá, segundo ele, foi diagnosticado com "traços de demência precoce" -e nunca mais voltaria à ativa. Um investigação sobre seus supostos problemas mentais seria aberta e o levaria à baixa, no ano seguinte.
O site obteve o documento reservado dos arquivos de pessoal do escritório da Marinha em St. Louis, no Missouri. Fac-símiles dos originais podem ser vistos no endereço www.thesmokinggun.com/archive/
0906052-jack-kerouac-1.html
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Conforme revelou a Folha em agosto, "Pé na Estrada" vai virar filme pelas mãos do brasileiro Walter Salles. Os direitos cinematográficos são de Francis Ford Coppola, que pode produzir o longa, previsto para 2007.


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