São Paulo, sexta-feira, 08 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

[+] análise

"Outsider" no partido, Blair perdeu magia

PHILIP STEPHENS
DO "FINANCIAL TIMES"

Chega um momento em que mesmo o mais poderoso dos líderes perde o controle sobre seu destino. Isso aconteceu esta semana com Tony Blair. Uma rebelião de parlamentares do seu próprio partido converteu-se num golpe contra Downing Street.
Os paralelos com a defenestração de Margaret Thatcher pelo partido Conservador, mais de 15 anos atrás, estão longe de ser exatos. Mesmo assim, são convincentes. O punhal brandido na época por Michael Heseltine, antigo membro do gabinete de Thatcher, agora está sendo empunhado por Gordon Brown. Também Thatcher havia tido três vitórias sucessivas em eleições gerais.
Ambos os líderes tiravam autoridade política do fato de que lideravam seus partidos desde uma distância. Filha de um lojista, Thatcher não possuía a ancestralidade dos lordes conservadores. Blair, filho de um advogado que apoiava os conservadores, nunca tentou se fazer passar por membro da tribo socialista. O apelo eleitoral de Thatcher consistia em sua capacidade de comunicar-se com as aspirações das classes trabalhadoras inglesas. O de Blair tem se baseado no fato de ele encontrar eco nas classes médias.
Mas esses foram pontos fortes que se converteram em fracos a partir do momento em que seus partidos começaram a colocar sua magia eleitoral em dúvida.
No caso de Thatcher, isso aconteceu com a introdução do "poll tax" (imposto de valor único cobrado por pessoa) e da chegada de uma recessão econômica profunda.
No caso de Blair, o dano foi autoinfligido. Foi sua própria escolha anunciar [na última eleição geral] sua intenção de deixar o cargo antes da próxima eleição.
Existem, é claro, muitas outras razões para explicar a ira presente no partido de Tony Blair. O primeiro lugar é ocupado pela decisão de ir à guerra no Iraque. No próprio Reino Unido, uma minoria considerável dos parlamentares trabalhistas -emocionalmente falando, talvez uma maioria- nunca aceitou realmente a agenda do Novo Trabalhismo de Blair para os serviços públicos.
Termos como escolha, diversidade e incentivos não caem bem para uma tradição política que reza que a uniformidade de fornecimento de serviços constitui o caminho para a eqüidade. Para Blair, o objetivo do Estado é atuar como aliado do indivíduo; para alguns de seu partido, a meta ainda é o coletivo.
Nada disso, entretanto, explica por inteiro a histeria coletiva que tomou conta dos deputados trabalhistas esta semana. Afinal, Tony Blair ainda é o líder mais bem-sucedido que o Partido Trabalhista já teve. A economia britânica está forte, e os serviços públicos, embora longe de ser perfeitos, melhoraram de maneira visível. Um olhar para as plataformas dos dois candidatos principais que disputam a eleição presidencial francesa revela até que ponto o "blairismo" molda as linhas gerais da política européia de hoje.
Parte da explicação se encontra numa soberba mais profunda que contaminou o Partido Trabalhista -o sentimento de que, após uma década no poder, o governo virou um feudo particular. A queda dos conservadores na década de 1990 constitui testemunho da verdade política simples de que os eleitores não elegem partidos que preferem ocupar-se com rixas internas a assumir suas responsabilidades públicas.


Tradução de CLARA ALLAIN


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Imigrantes se rebelam em abrigo espanhol
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.