São Paulo, sexta-feira, 08 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Colômbia não está só, diz chanceler Para María Consuelo Araújo, aliança política com os EUA não impediu consolidação das relações regionais

Desafio para o segundo mandato de Álvaro Uribe será combinar a ofensiva de segurança à negociação com grupos armados ilegais

CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Longe de estar isolada na região devido à sua forte aliança com os EUA, a Colômbia vem fortalecendo seus vínculos com os vizinhos e diversificando seus interlocutores políticos e econômicos. A avaliação é de María Consuelo Araújo, 35, que assumiu em julho a Chancelaria colombiana e fez visita oficial ao Brasil nesta semana. Leia os principais trechos de sua entrevista à Folha.
 

FOLHA - Em seu discurso de posse, o presidente Álvaro Uribe falou do temor de fracassar nas negociações de paz. O governo vai negociar com as Farc e em que condições?
MARÍA CONSUELO ARAÚJO
- O presidente falou de seu temor de ficar sem segurança e sem paz. O que não se quer perder é o avanço da política de segurança democrática nesses quatro anos. A democracia se fortaleceu graças ao fato de que hoje é possível percorrer o país livremente com o apoio da força pública. E pela primeira vez a violência que marcou toda uma geração começou a se reverter. Isso tudo requer continuidade. E por isso o presidente disse: eu tenho de garantir que a política de segurança não decaia ao abrir um espaço para o diálogo com os grupos ilegais. O grande desafio desse governo que começa é manter a segurança de modo sustentável e criar condições para um diálogo com os grupos ilegais. De fato, começamos a estabelecer contatos e esperamos que isso gere frutos. A condição é simplesmente que não haja um retrocesso na política de segurança democrática, que não haja uma desmoralização da força pública e que haja gestos que demonstrem o interesse de um diálogo construtivo.

FOLHA - Negociar com as Farc significa reconhecer o fracasso da ofensiva militar contra a guerrilha?
ARAÚJO
- As duas coisas devem caminhar paralelamente. Temos uma cooperação importante na luta contra o narcotráfico e o terrorismo, e isso requer perseverança e continuidade. Mas o espaço para diálogo segue. Já há na Colômbia 40 mil pessoas desmobilizadas, e a porta está aberta para que outros o façam. O ritmo com que os resultados são obtidos pode variar. Mas quando se vê um retrato da Colômbia de 2006 e um de 2002, há uma melhora.

FOLHA - Uribe considera a desmobilização dos paramilitares um de seus maiores êxitos. Mas houve denúncias de chefes paramilitares dirigindo carros caros, freqüentando festas, fazendo compras em lojas exclusivas. Como a sra. explica isso?
ARAÚJO
- Há uma lei que tem o aval do Congresso [a Lei de Justiça e Paz, que regula o processo de desmobilização] que passou por todas as discussões democráticas e que é o instrumento que se aplica a quem queira participar. Já a execução e a gerência desse instrumento está a cargo da Justiça, e na Colômbia se respeita a separação de poderes. Cada juiz deve analisar a situação de cada uma dessas pessoas e fazer cumprir a lei.

FOLHA - Há controvérsias sobre o número de desmobilizados. Fala-se que narcotraficantes se infiltraram para poder se beneficiar da lei.
ARAÚJO
- Na Colômbia não há uma fronteira clara entre um delito e outro. Os grupos ilegais justamente tiveram um alcance tão grande porque se financiam do narcotráfico. Todos, tanto os grupos de extrema direita como as Farc e o ELN, obtêm do narcotráfico seus recursos para armas e para gerar violência. Há uma conectividade entre os delitos. O governo criou o instrumento, e cabe à Justiça determinar o que se imputa em cada caso.

FOLHA - Uribe é o mais forte aliado dos EUA na região. A Colômbia não se sente isolada dos vizinhos?
ARAÚJO
- Não. Temos uma aliança com os EUA que parte de objetivos e interesses comuns, como a luta contra as drogas e o terrorismo, e temos no Plano Colômbia uma ferramenta de cooperação muito valiosa. Mas a Colômbia é consciente de seu papel como articuladora do continente e de fato está fortalecendo os vínculos com os países da região e buscando alternativas e a diversificação de sua interlocução. A CAN [Comunidade Andina de Nações] fez um acordo com o Mercosul, e queremos que essa seja a semente de uma comunidade sul-americana. Há um projeto de gasoduto, de venda de combustíveis e de interconexão elétrica com a Venezuela, e vemos a possibilidade muito próxima de firmar um acordo bilateral de comércio entre Colômbia e Venezuela. Também queremos que a face do país para o Pacífico seja uma alternativa real de desenvolvimento. E queremos que as interlocuções políticas se traduzam em resultados comerciais.

FOLHA - A Colômbia continua sendo o maior produtor mundial de coca, e em 2005 essa produção cresceu 8%, segundo a ONU. Haverá mudança na estratégia antinarcóticos?
ARAÚJO
- Essa cifra não pode ser vista separada do aumento do consumo nos países europeus. Por isso pedimos um debate que inclua os países produtores e os consumidores. Na medida em que isso se traduza em uma política de responsabilidade compartilhada, vamos garantir que os sacrifícios que fazemos na Colômbia tenham resultados mais contundentes.


Texto Anterior: Venezuela: Candidato opositor é apedrejado
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.