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Alemanha perdoa hoje "traidores" do nazismo
Câmara Baixa do Parlamento vota projeto para invalidar sentença contra 30 mil soldados da Segunda Guerra Mundial
Reparação é simbólica, já
que parentes não serão
indenizados; 64 anos após
fim do conflito, tema ainda
é sensível no país europeu
DA ENVIADA A BASILEIA (SUÍÇA)
O austríaco Johann Lukaschitz tinha 24 anos quando a
guilhotina cortou-lhe o pescoço. Antes, passara semanas
com os pés e as mãos acorrentados, o que lhe rendera uma
inflamação nas articulações e o
levara à enfermaria, em dias
descritos por seu vizinho de cama como "contemplativos".
Era o início de 1944, e a deserção das forças de Adolf Hitler,
que já estavam perdendo a Segunda Guerra Mundial, era rapidamente punida.
O crime que levou Lukaschitz à guilhotina, num episódio narrado ao semanário alemão "Der Spiegel" por seu
companheiro de enfermaria,
foi o mesmo pelo qual 30 mil
soldados foram condenados
-dos quais estima-se que mais
de 20 mil tenham sido mortos.
Hoje a Câmara Baixa do Parlamento alemão vota para reparar esse capítulo histórico,
comumente esquecido por
vencedores e perdedores, e invalidar a sentença dos chamados "traidores do nazismo".
Para ser condenado por
"traição", bastava levantar dúvidas, mesmo que na esfera privada, sobre a vitória de Hitler
-o que, na visão dos juízes da
época, baixava o moral das tropas e punha o país em risco.
Prestar qualquer tipo de assistência a judeus também era crime. Para efeito comparativo, o
historiador Friedemann Bedürftig, citado pela agência de
notícias Efe, lembra que na Primeira Guerra Mundial "apenas" 148 pessoas foram condenadas à morte por traição.
O tema toca em um assunto
que, mesmo passados 64 anos
do fim da guerra, ainda é sensível na Alemanha.
Trâmite demorado
A proposta originalmente foi
feita em 2006 pelo deputado
Jan Korte, 31, do partido A Esquerda (Die Linke). Mas demorou para ganhar apoio da coalizão governista, composta pelos
democrata-cristãos da chanceler (premiê) Angela Merkel (direita) e pelos social-democratas (centro-esquerda), e chegou
a provocar controvérsias entre
os partidos e até entre os historiadores por eles ouvidos, que
trocaram acusações.
No fim, depois de um debate
acalorado também na mídia
alemã, o projeto teve adesão
plena. "Não há nenhum caso
documentado em que os supostos traidores tenham causado
mal a terceiros", declarou à Efe
a deputada social-democrata
Christiane Lambrecht.
Uma das bases do projeto é o
livro "O Último Tabu", dos historiadores Wolfram Wette, especialista em história militar, e
Detlef Vogel, que pesquisaram
minuciosamente 33 casos e
concluíram que a maior parte
dos condenados agiu motivada
por questões éticas.
Johann Lukaschitz, por
exemplo, foi acusado de "deixar
de relatar o planejamento de
um ato de traição": ele recusou-se a entrar em um conselho
dentro de sua unidade que aspirava contra o regime, mas tampouco delatou os colegas.
Para Lambrecht, a votação de
hoje trata-se apenas de uma reparação "simbólica", já que as
famílias dos mortos (na maioria, militares de baixo escalão)
não foram nem serão, se aprovada a lei, indenizadas.
(LUCIANA COELHO)
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