São Paulo, segunda-feira, 08 de outubro de 2007

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Para Anderson, Cuba vive realidade suspensa

Jornalista americano diz que transição já começou, mas com Fidel vivo é impossível dizer que cara a ilha terá no futuro

Mais pragmático, Raúl deve promover reformas; autor, que acaba de voltar do Iraque, diz que fiasco tirou EUA do jogo estratégico

Javier Galeano - 3.out.07/Associated Press
Crianças de escola em Havana entoam o slogan "Pioneiros comunistas, seremos como Che"


LUCIANA COELHO
ENVIADA A PORTO ALEGRE

Na tarde de segunda-feira passada, quando encontrou a reportagem da Folha em Porto Alegre, o jornalista Jon Lee Anderson havia acabado de voltar de Bagdá, onde radiografa a vida de iraquianos comuns para os leitores da "New Yorker".
No dia seguinte, voaria para Nova York por conta de seu trabalho na cultuada revista.
Hoje, estaria em Caracas para as celebrações em torno dos 40 anos (amanhã) da morte de Ernesto Che Guevara, o homem cujo corpo ele ajudou a encontrar, há dez anos.
A agenda frenética -que o trouxe para o Brasil para o seminário Fronteiras do Pensamento, promovido pela Copesul- dá pistas do que tem sido a vida desse californiano de 50 anos, casado e pai de três filhos, que oficialmente reside numa cidadezinha da Inglaterra, mas que vive mesmo perambulando pelo mundo a garimpar histórias de gente. O resultado são livros como "Guerrillas" , "The Lion's Grave" (sobre o Afeganistão) e "A Queda de Bagdá" (ed. Objetiva), além do catatau "Che Guevara - Uma biografia" (ed. Objetiva). O próximo, planeja, deve ser sobre Cuba, onde viveu de 1992 a 1995. Foram suas observações agudas na improvável ponte Bagdá-Havana que ele começou a dividir em entrevista coletiva na última segunda e desdobrou depois num pingue-pongue com a Folha.
Para Anderson, a transição (ou sucessão) em Cuba já aconteceu, mas ainda não mostrou a que veio. "Enquanto Fidel Castro estiver vivo, Cuba vai pairar numa realidade política alterada", diz. O irmão de Fidel, que o substitui em caráter interino desde julho de 2006, quando o ditador teve de se afastar por motivos de saúde, tem um fantasma muito presente com o qual lidar. "Raúl tem se mexido muito devagar por causa da presença do irmão, que pouco antes de adoecer estava começando a regredir para uma interpretação mais estrita da realidade socialista."
Mais sintonizado com o dia-a-dia dos cubanos, na avaliação de Anderson, Raúl tem mudanças em mente que só agora começam a se delinear. A aposta do jornalista é um híbrido à cubana da abertura econômica sem abertura política que toma lugar na China. Tudo amparado por investimentos de Pequim e pelo petróleo de Hugo Chávez. "A crise econômica [pós-colapso soviético], de certa forma, passou. Se conseguirem expandir os benefícios disso ao povo, creio que possam manter um controle parcial da ilha por mais cinco anos."
Falando sobre seu país, o jornalista lamentou o fiasco no Iraque, combustível do antiamericanismo e da ascensão de líderes que buscam, ainda de forma trôpega, romper com a hegemonia de Washington.
"Enquanto são gastos US$ 800 milhões por dia no Iraque, se excluirmos o Plano Colômbia, calculo que Chávez esteja gastando 20 vezes o que os EUA gastam na América Latina."
Pior, Washington deixou de competir no jogo estratégico por uma empreitada falida. Na esteira do fracasso, iraquianos comuns estão sendo armados pelos militares americanos para reduzir o fardo das tropas.
"Eles vão ter de liberar os soldados do Iraque para que eles possam lutar em outros lugares. Mas nunca vão deixar o Iraque de vez."

A jornalista LUCIANA COELHO viajou a convite do seminário Fronteiras do Pensamento


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