São Paulo, quarta-feira, 08 de outubro de 2008

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ARTIGO

Domínio conservador em xeque

JOHN HARWOOD
DO "NEW YORK TIMES"

À sombra do perigo econômico, os dois grandes partidos americanos entram na reta final para as eleições oferecendo um estudo de contrastes em filosofia, estratégia e confiança.
Os democratas consideram os apelos de Wall Street por resgate pelo governo à luz daquilo que Barack Obama definiu como "veredicto final" sobre a ideologia de livre mercado que vem reinando sobre a política americana sem grande oposição há mais de duas décadas. A maior parte dos republicanos condena o resgate como uma traição a essa ideologia.
Os democratas de Obama pressionam para que Washington regulamente as instituições financeiras, reforce o sistema de seguro-saúde público e redistribua renda por meio de ajustes nos códigos tributários.
Os republicanos de John McCain querem direcionar a insatisfação dos eleitores à corrupção em Washington e tentam gerar dúvidas pessoais sobre Obama.
O partido de Obama aproveita as oportunidades para tentar conquistar os Estados antes vistos como bastiões inexpugnáveis dos conservadores e para reforçar sua maioria na Câmara e no Senado. O partido de McCain planeja obter uma vitória presidencial por margem estreita, em um campo de batalha cuidadosamente limitado, já que alguns republicanos no Congresso começam a ver a possibilidade de derrota do candidato do partido como um passo na direção da renovação política.

Talvez uma grande virada
Os primeiros indícios de ascendência conservadora surgiram nos anos 50, depois de cinco vitórias consecutivas em eleições presidenciais da coalizão criada por Franklin Roosevelt. As divisões culturais surgidas nos anos 60 renovaram a força dos republicanos.
Mas foi a estagnação de renda dos anos 70 que permitiu a Ronald Reagan combinar políticas econômicas de livre mercado a conservadorismo cultural e em política externa para deflagrar uma revolução republicana. Políticos democratas como Bill Clinton se adaptaram, pondo fim aos programas de bem-estar social automáticos do governo federal e declarando que a era do governo grande havia chegado ao fim.
Com o colapso dos mercados, o partido tradicionalmente identificado com o governo grande tem motivos para imaginar se houve uma virada decisiva nos sentimentos do público. "Estamos contemplando um novo ponto de inflexão?
Talvez sim", escreveu Michael Barone, historiador e analista político, na "National Review".
Os republicanos da Câmara se recusam a aceitar a mudança, já que na semana passada votaram por maioria de dois a um contra um plano de resgate proposto pelo secretário do Tesouro de um governo de seu partido. O medo de conseqüências políticas negativas influenciou a decisão: 18 dos 21 republicanos que correm o risco de perder seus postos na disputa por uma reeleição em novembro votaram contra o pacote.
O mesmo se aplica à coerência filosófica dos republicanos, a ponto de gerar preocupação entre alguns líderes do partido.
"Em um momento de crise, os norte-americanos querem ação decidida", disse o deputado Tom Cole, de Oklahoma, presidente do comitê de campanha do Partido Republicano na Câmara. E na primeira votação, de rejeição ao pacote de resgate, diz, o partido não conseguiu demonstrar decisão aos eleitores.
Os democratas descreveram sua disposição maior de apoiar o pedido do presidente Bush como um "primeiro passo" em abandonar o apego ao laissez-faire. Eles planejam conquistar apoio entre eleitorados de classe mais alta, que podem recentemente ter sentido um distanciamento das políticas sociais defendidas pelos republicanos.
Os democratas agem para "solucionar problemas", disse o deputado Chris Van Hollen, de Maryland, que preside o comitê de campanha dos democratas na Câmara. A "ideologia" dos republicanos "é que nos colocou nessa enrascada, e a mesma ideologia torna mais difícil escapar a ela", afirmou.
Os resultados das recentes pesquisas animaram os democratas. A vantagem de Obama sobre McCain vem superando as margens de erro em todas elas, e algumas pesquisas mostram Obama na liderança em Estados que vêm votando em conservadores, como Flórida, Novo México e Ohio.

Ataques
A campanha de McCain reagiu à desvantagem reforçando os ataques quanto aos antecedentes de Obama; a companheira de chapa de McCain, Sarah Palin, afirmou que o relacionamento do democrata com Bill Ayers, que foi membro do movimento guerrilheiro Weather Underground, significa "amizade com terroristas".
Obama respondeu criticando McCain como "errático" no curso da crise financeira e como "radical" ao defender uma abordagem de mercado para a saúde, semelhante à proposta por Bush.
Os estrategistas de ambos os partidos vêem efeitos semelhantes nas disputas legislativas. Os democratas anteriormente consideravam que elevar em dez assentos sua contagem atual de 235 era otimista; agora são os republicanos que calculam que uma perda de dez assentos será um sucesso.
E eles tampouco temem a derrota de McCain. A postura independente do candidato há muito causa desconfiança entre os republicanos mais convencionais. A oposição a um presidente do outro partido pode ajudar minorias legislativas a reorganizar sua agenda. "Eles estão resignados diante da provável vitória de Obama", disse Jim Brulte, republicano da Califórnia. Os republicanos, ele acrescenta, "compreendem que isso é uma necessidade a fim de preparar o cenário de forma que nos permita reconquistar a maioria".


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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