São Paulo, sábado, 08 de novembro de 2008

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ARTIGO

Eleito deve atender moderados

Um governo Obama deveria se estender além da base democrata tradicional e ouvir a todos

DAVID BROOKS
DO "NEW YORK TIMES"

EU TENHO sonhos. Posso dar a impressão de ser um analista enfadonho cujas fantasias mais exóticas envolvem relatórios do Escritório de Responsabilidade Fiscal do Governo, mas, lá no fundo, eu tenho sonhos. E, neste momento, estou sonhando com a Presidência bem-sucedida de que este país precisa.
Um governo liderado por Barack Obama, mas que se estenda para além da base democrata normal e atenda aos interesses dos eleitores moderados, dos eleitores suburbanos, dos eleitores rurais e até de quem votou no outro candidato.
A administração de meus sonhos entende onde o país se encontra hoje. Seus integrantes sabem que, como disse Andrew Kohut, do Centro de Pesquisas Pew, "esta foi uma eleição em que o centro se afirmou". Não houve "sinal algum" de um "movimento para a esquerda".
Assim, os membros do governo Obama dos meus sonhos compreendem que não podem impor um programa ideológico que o país não aceite. Novos presidentes em 1932 e 1964 podiam pressupor um nível básico de confiança no governo. Mas hoje, como observa Bill Galston, do Brookings Institution, o novo presidente terá de construir essa confiança deliberadamente, passo a passo.

Pós-partidarismo
Entrar na Casa Branca de Obama de meus sonhos será como entrar na Fundação Gates. As pessoas que estarão ali serão declaradamente pragmáticas, agindo a partir de informações concretas. Elas vão sair à caça de boas idéias, como se fossem investidores. E não terão fé em burocratas. Em lugar disso, usarão aquela linguagem das redes descentralizadas, das reformas feitas de baixo para cima e das inovações que podem ser graduadas.
Elas vão acreditar realmente nas coisas que Obama fala sobre política pós-partidária. Isso quer dizer que não haverá apenas alguns republicanos mais liberais ocupando cargos marginais, apenas para fazer figura.
Haverá gente como Robert Gates na Defesa e como Ray LaHood, Stuart Butler, Diane Ravitch, Douglas Holtz-Eakin e Jim Talent ocupando outros cargos importantes.
O governo Obama de meus sonhos vai fazer questão de que os democratas no Congresso reinstaurem as comissões de conferência bipartidárias. Eles convidarão líderes republicanos à Casa Branca para reuniões de verdade e os convidarão de novo, mesmo que os republicanos dêem entrevistas coletivas de imprensa hostis na entrada da Casa Branca.
Eles farão coisas com as quais os conservadores discordarão, mas também mostrarão que não são puxa-sacos dos grupos de interesses liberais.
Eles farão questão do pagamento por mérito e de preservar os padrões de responsabilidade do "No Child Left Behind" [nenhuma criança deixada para trás, programa educacional de Bush], não importa o que digam os sindicatos de professores. Eles adiarão disputas sobre coisas como a legislação que prevê o voto aberto dos empregados pela sindicalização. Sobretudo, eles adotarão ações significativas para lidar com os problemas que o país enfrenta sem provocar repúdio maciço dos eleitores à direita.

Equilíbrio e reforma Para isso, explicarão à população dos EUA que há dois estágios em seu pensamento de política doméstica: o estágio do curto prazo e o do longo prazo.
A estratégia de curto prazo terá duas metas: mitigar o sofrimento vindo da recessão e mudar a cultura de Washington. O primeiro passo será completar a rodada de pacotes de estímulo que certamente virá.
Em seguida, eles trabalharão sobre duas idéias que já contam com apoio bipartidário: a redução dos impostos sobre a classe média e um pacote energético.
A crise econômica e energética traz a oportunidade de se fazer o que não foi feito sob circunstâncias semelhantes em 1974: transformar o suprimento energético deste país. Uma lei abrangente -que abarque desde a perfuração de poços marítimos até tecnologias verdes- estimularia a energia e fomentaria novas coalizões políticas.
Quando a recessão desse sinal de estar chegando ao auge, então o governo de meus sonhos iniciaria a segunda fase. A estratégia de longo prazo seria voltada à restauração do equilíbrio fiscal e à reforma das instituições fundamentais.
Neste ponto, o déficit do Orçamento já estará passando de US$ 1,5 trilhão por ano. Os EUA começarão a pegar emprestado rios de dinheiro do exterior. O governo de meus sonhos mostrará que entende que o remédio para sanar uma cultura de dívida não é contrair mais dívida. Ela tomará o partido daqueles que temem que déficits de longo prazo possam levar a aumentos ruinosos nos juros. O governo de meus sonhos anunciará uma Iniciativa de Reequilíbrio Orçamentário. Alguém como o deputado Jim Cooper estudará o Orçamento inteiro e extirpará dele os programas e os gastos com impostos que não funcionam.
Tendo construído relacionamentos bipartidários, demonstrado alguma firmeza fiscal, tendo conduzido a economia por tempos difíceis, o governo dos meus sonhos então estará em condições de empreender a reforma da saúde, a reforma tributária, a reforma do ensino e uma iniciativa de infra-estrutura de longo prazo.
Essas reformas talvez precisem começar aos poucos, gastando pouco. Mas reformas reais já serão cogitáveis, já que a política, tal como a conhecemos, terá sido transformada.
Será que tudo isso não passa de sonho? Espero que não. Seja como for, me deixe ter meu momento de sonho em paz.

Tradução de CLARA ALLAIN



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