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QUEDA DO MURO: 20 ANOS DEPOIS
Transição à democracia tem muitos donos
Há explicações múltiplas para o movimento que em apenas oito meses levou à derrocada do comunismo na Europa
Fim de regimes de partido único em 1989 obedeceu a dinâmicas diferentes em cada um dos países que seguiam Pacto de Varsóvia
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Rabiscado às pressas no final
de novembro de 1989, quando a
liderança do PC da antiga Tchecoslováquia já havia renunciado, o "programa de princípios"
do Fórum Cívico, criado pouco
antes para articular os manifestantes que pediam o fim da ditadura de partido único, tinha
sete pontos:
1) Estado de Direito;
2) Eleições livres;
3) Justiça social;
4) Ambiente limpo;
5) Um povo educado;
6) Prosperidade;
7) Volta à Europa.
A plataforma "pragmática,
idealista e ao mesmo tempo incrivelmente ambiciosa", como
define o historiador britânico
Tony Judt em seu livro "Pós-Guerra", refletia a falta de cálculo de longo prazo da gente
comum que participou ou assistiu, de maio a dezembro daquele ano, à implosão da ordem
mundial que pouco antes parecia congelada.
Durante a détente entre EUA
e URSS -entre 1968, quando a
invasão da Tchecoslováquia
abortou o último projeto de socialismo democrático no Leste
Europeu, e o início dos anos
80- seria difícil antever o dominó que chegaria à própria
URSS em 1991, expandindo as
fronteiras do capitalismo.
Assim como ainda debatem
quem iniciou a Guerra Fria,
historiadores e dirigentes políticos divergem sobre a ordem
dos fatores que precipitaram a
queda do comunismo no Leste
Europeu. Alguns, porém, estão
na maioria das listas.
1) A ascensão de Mikhail Gorbatchev, com proposta de reestruturação econômica (perestroika) e distensão política
(glasnost) do sistema soviético
e renúncia pública à doutrina
Brejnev, que vetava aos outros
seis países que compunham o
Pacto de Varsóvia o afastamento do marxismo-leninismo.
Judt chama 1989 de "a revolução de Gorbatchev". O próprio ex-líder afirma que sua posição de não intervenção foi
"crucial". Os mais céticos dizem que, afogado no Afeganistão, o Exército soviético não teria condições de repetir 1968 e
1956 (quando sufocou revolta
democrática húngara).
2) As dificuldades econômicas no Leste Europeu, cuja dívida com o Ocidente foi de US$
6,1 bilhões a 95,6 bilhões entre
1971 e 1988. Com exceção da
Romênia, que pagou seu débito
impondo arrocho interno, o
custo de financiar um "contrato social" em que benefícios generosos visavam compensar a
falta de liberdade não era
acompanhado pelo aumento
da produtividade.
Para os "estruturalistas", essa foi a causa básica da queda
do comunismo na Europa. Mas
Angelo Segrillo, especialista
em história soviética da USP,
avalia que, com exceção da Polônia, o problema da dívida não
chegou à gravidade que teve na
América Latina.
3) O exemplo da Polônia, onde greves a partir de 1970 culminaram na formação do Solidariedade, primeiro sindicato
independente sob o comunismo. A situação excepcional da
ultracatólica Polônia -a igreja
teve atuação livre mesmo no
período stalinista mais duro-
foi ressaltada pela ascensão ao
papado, em 1978, de Karol
Wojtyla, com projeto de combate ao "materialismo ateu".
4) A "segunda Guerra Fria"
do presidente americano Ronald Reagan (1981-1989), que
aumentou o orçamento do
Pentágono e subiu a retórica
contra o "império do mal".
Apesar da pressão militar e
do apoio a dissidentes no Leste,
a versão de que esse foi o fator-chave para a queda do comunismo não tem apoio da maioria. A ocupação do Afeganistão
teria sido, para os soviéticos,
fonte maior de desgaste.
5) Os Acordos de Helsinque,
de 1975, vistos pela URSS como
a aceitação final do seu status
no Leste Europeu. Os textos citavam direitos individuais depois usados por dissidentes para criar grupos independentes
do PC, entre eles o Carta 77, do
tcheco Vaclav Havel.
6) O papel da TV, principalmente para húngaros, tchecos
e alemães, que assistiam ao que
ocorria nos vizinhos.
Se houve causas comuns aos
oito meses que encerraram o
"breve século 20", a dinâmica
foi diferente em cada país.
Só na Polônia havia oposição
bem organizada à frente dos
protestos. Diante de novas greves, o regime relegalizou o Solidariedade e negociou a realização de eleições semilivres.
Na Hungria, a transição partiu de reformistas do próprio
PC. Em 1988, eles haviam afastado Janos Kadar, que assumira após a supressão da revolta
de 1956, e permitido um partido independente. Em maio de
1989, abriram a fronteira para
os alemães orientais, catalisando a pressão popular contra a
direção do PC vizinho.
A transição foi igualmente
negociada na República Tcheca, onde a Revolução de Veludo
foi de manifestações estudantis à posse do ex-dissidente Havel na Presidência entre novembro e dezembro.
Na Bulgária, onde o regime
tentara perpetuar-se com perseguição à minoria turca, a mudança deu-se por golpe palaciano, que afastou Todor Zhivkov
da direção comunista.
Apenas na Romênia -onde o
renitente stalinista Nicolai
Ceausescu proclamava sua independência em relação à
URSS- houve violência, com a
repressão inicial aos protestos
antirregime seguida pelo julgamento sumário e o fuzilamento, televisionados, do ditador,
renegado pelo Exército.
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