São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

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AMÉRICA LATINA

Para analista paraguaio, todas as forças políticas vislumbram ganhos com o isolamento do presidente

Todos no Paraguai tentam capitalizar crise

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Todas as principais forças políticas do Paraguai enxergaram a oportunidade de obter algum ganho político ao se unirem, na última quinta-feira, para aprovar, na Câmara dos Deputados, o início do processo de impeachment do presidente Luis González Macchi.
Assim, grupos políticos rivais -oviedistas, liberais e colorados governistas-, movidos por interesses absolutamente distintos, convergiram para isolar o chefe do governo paraguaio.
A análise é do cientista político Jose Nicolás Morinigo, professor de teoria política da Universidade Católica de Assunção e diretor do Gabinete de Estudos de Opinião.
A abertura do processo de impeachment de González Macchi, que não estava na ordem do dia da Câmara paraguaia, foi aprovada com 50 votos a 0, apesar de o Partido Colorado (situação) possuir maioria na casa. Onze deputados se abstiveram, e 19 não compareceram. Agora, a proposta será analisada pelo Senado, a quem caberá tomar uma decisão final.
A proposta tem como base uma série de denúncias de corrupção, como o desvio de US$ 16 milhões para uma conta em Nova York e a compra de um BMW roubado no Brasil. Mas foi a impopularidade do presidente, agravada pela crise econômica que o Paraguai atravessa, o principal motivo de seu isolamento político.
"Ninguém quer parecer amigo de um presidente tão desprestigiado a apenas alguns meses das eleições de abril de 2003", disse Morinigo. Leia entrevista concedida por telefone, de Assunção.


Folha - Quem está por trás da abertura do processo de impeachment pela Câmara?
Jose Nicolás Morinigo -
Não é simples responder. Por um lado, pode estar por trás o ex-general Lino Oviedo, num acordo com o PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico). Condenado a dez anos de prisão por uma tentativa de golpe em 1996 e impedido de disputar as eleições, Oviedo tenta obter o afastamento do presidente da República e a eleição pelo Congresso de um vice-presidente que o anistie, abrindo caminho para o fim de seu exílio no Brasil.
Por outro lado, deputados do Partido Colorado ligados ao governo também votaram a favor do impeachment pois, do contrário, ficariam atados a um presidente que tem muito pouca credibilidade devido às acusações de corrupção e à crise econômica. Assim, houve uma coincidência de interesses entre forças políticas antagônicas. Agora, saber quem sairá beneficiado depende do que acontecer no Senado.

Folha - A legislação permite ao Congresso escolher um novo vice?
Morinigo -
Sim. Como o vice Julio Cesar Franco (liberal) renunciou para se candidatar à Presidência, o Congresso tem poderes para nomear um substituto para terminar seu mandato.

Folha - Qual seria o interesse do Partido Liberal, que tem o ex-vice Cesar Franco como candidato com chances de vitória, em abrir caminho para a volta de Oviedo, líder nas pesquisas na opinião?
Morinigo -
Não creio muito na possibilidade de vitória de Cesar Franco, mas pode haver um acordo entre o candidato liberal e Oviedo no sentido de que uma eventual anistia permitiria ao ex-general retornar ao país em troca de uma renúncia de suas pretensões presidenciais. Oviedo exerceria uma influência muito forte, seria uma espécie de eminência parda do governo, o que, aliás, ele sempre foi.

Folha - Já os colorados próximos ao governo estariam tentando se livrar do peso de González Macchi?
Morinigo -
Sim, é possível que os colorados governistas levem a melhor se conseguirem demonstrar que estão distanciados do presidente e, ao mesmo tempo, colocarem na Presidência alguém como o atual presidente do Congresso, Juan Carlos Galaverna, alinhado à candidatura do presidente do partido, Nicanor Duarte Frutos.

Folha - O impeachment deve prosperar no Senado?
Morinigo -
Acho difícil. Na Câmara, cada partido jogou segundo seus próprios interesses. Os oviedistas queriam demonstrar que têm força para gerar um movimento sísmico político. Os liberais queriam provar que têm capacidade de protagonismo político. E os governistas colorados queriam mostrar que também não são amigos do presidente, já que ninguém quer ser amigo de um presidente tão desprestigiado.
Mas, no momento de uma decisão final no Senado, interesses muito fortes estarão em jogo e não creio numa convergência de interesses como a que ocorreu durante a votação na Câmara.


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