São Paulo, quarta-feira, 08 de dezembro de 2010

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ANÁLISE WIKILEAKS

A extradição e a defesa dos direitos humanos

Processo contra Julian Assange é feito sem salvaguardas tradicionais


SEGUNDO ASSANGE, QUE É AUSTRALIANO E NÃO FALA SUECO, A ORDEM DE PRISÃO SUECA NÃO CONTÉM DETALHES DAS ACUSAÇÕES E ESTAS JAMAIS LHE FORAM APRESENTADAS EM INGLÊS


OCTÁVIO LUIZ MOTTA FERRAZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Historicamente, as normas legais sobre a extradição buscaram proteger a soberania do Estado em cujo território o acusado se encontra. A partir da segunda metade do século passado, contudo, o princípio da soberania sofreu importantes restrições, notadamente pela adoção de diversos tratados de direitos humanos.
Eles reconheceram o indivíduo, para além dos Estados, como ator importante no direito internacional.
As normas de extradição não ficaram imunes a essa mudança, e passaram a conter princípios que visam a proteção dos direitos humanos do extraditado.
Em caso histórico julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos em 1989, um cidadão alemão, Jens Soering, teve sua extradição do Reino Unido aos EUA suspensa.
A Corte entendeu que a pena de morte à qual ele estaria sujeito viola o artigo 3 da Convenção Europeia, que proíbe punições cruéis e desumanas.
O caso de Julian Assange é interessante e controverso por uma série de motivos além de sua atual posição de inimigo número um dos EUA por divulgar e-mails diplomáticos confidenciais no seu site WikiLeaks.

"FAST TRACK"
O processo corre sob as regras de uma recente e controversa medida de extradição rápida ("fast track") adotado pela União Europeia para combater mais eficazmente o terrorismo.
Nesse acordo, foi instituída a European Arrest Warrant (Ordem de Prisão Europeia), mediante a qual indivíduos podem ser extraditados, sem as salvaguardas tradicionais, para qualquer país da UE que o requisite.
A justificativa para tal dispensa é a suposta confiança recíproca existente na UE sobre a retidão dos sistemas judiciais de seus membros. Isso não impede, no entanto, que o extraditado alegue a violação de seus direitos humanos para tentar suspender a extradição, o que os advogados de Assange estão fazendo.
A Suécia não aplica, evidentemente, a pena de morte, banida na Europa, mas não está imune a acusações de Assange de que não respeita o direito ao devido processo legal.
Segundo ele, que é australiano e não fala sueco, a ordem de prisão emitida pela Suécia não contém detalhes suficientes das acusações e estas jamais lhe foram apresentadas em inglês.
Não creio que essa estratégia possa fazer mais que atrasar o processo. Mas para aqueles que pensam em desprezar como ridículo o argumento de que um país como a Suécia desrespeitaria direitos humanos vale lembrar que a mesma foi condenada pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU.
A razão foi violar o direito ao devido processo legal e a tortura de dois cidadãos egípcios deportados a pedido dos EUA sob suspeita de terrorismo.

OCTÁVIO LUIZ MOTTA FERRAZ é mestre em direito pela USP, doutor em direito pela Universidade de Londres e professor de direito público e direitos humanos na Universidade de Warwick


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