São Paulo, sábado, 09 de janeiro de 2010

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Juíza restitui presidente do BC argentino

Martín Redrado fora destituído por decreto por governo Cristina, embora lei imponha necessidade de consulta ao Senado

Exoneração aconteceu após resistência de dirigente a cumprir decisão de passar reservas de banco a fundo para pagar dívida pública

Rolando Andrade Stracuzzi/Associated Press
O presidente do BC, Martín Redrado, ontem de manhã, após ser destituído; à tarde, ele obteve decisão judicial para voltar ao cargo

SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES

Destituído anteontem por um decreto da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, o presidente do Banco Central, Martín Redrado, foi restituído ontem à tarde ao cargo, por uma decisão da Justiça.
Munido da sentença da juíza María José Sarmiento, que deferiu seu pedido de anulação do decreto presidencial que o removera, Redrado ingressou no fim da tarde na sede do Banco Central. Lá, seu vice, Miguel Pesce, ocupava a cadeira da presidência e atendia instruções da Casa Rosada, que Redrado se recusara a cumprir.
O Banco Central argentino deverá ficar bicéfalo pelo menos até a próxima terça, prazo facultado ao governo para recorrer da decisão judicial que devolveu o cargo a Redrado.
"Redrado fez uma palhaçada. Essa situação é ridícula", disse Aníbal Fernández, chefe de gabinete de Cristina. Segundo ele, o governo tentou ontem recorrer da decisão, mas a juíza -de plantão- não foi localizada nem pela Polícia Federal.
A incerteza sobre o comando da entidade a quem cabe preservar o valor da moeda tem reflexos na economia. Durante a semana, os papéis perderam valor, a Bolsa inverteu a tendência de alta, o risco-país subiu, e a elevação do dólar teve de ser domada.

Pagamento da dívida
A origem do conflito entre a Casa Rosada e Redrado é a decisão de Cristina de criar -por decreto de necessidade e urgência (similar à medida provisória no Brasil)- um fundo para pagar a dívida pública em 2010 com US$ 6,5 bilhões de reservas do BC, cuja totalidade é hoje de US$ 48 bilhões.
Redrado diz temer que o fundo seja embargado pelos credores argentinos chamados "holdouts", que recusaram em 2005 a oferta de troca da dívida em default. Esses fundos de ações e investidores particulares reclamam na Justiça seus investimentos.
O receio é que os "holdouts" interceptem o fundo governamental, invocando prioridade no pagamento da dívida.
Ao deparar com a resistência de Redrado, Cristina pediu sua renúncia. Ele se negou. Pela lei argentina, o Executivo não pode remover a diretoria do BC sem ouvir comissão do Senado.
Mas Cristina ignorou a regra e baixou o decreto, alegando "necessidade e urgência" em afastar Redrado, a quem acusa de "incorrer em má conduta e descumprimento dos deveres".

Duelo com o vice
O gesto, visto como atropelo à ordem institucional pela oposição, desencadeou uma crise política que a presidente escancarou ontem, ao acusar seu vice, Julio Cobos, de "operar politicamente" contra o governo.
Cobos, que é da UCR (União Cívica Radical), sigla rival do Partido Justicialista de Cristina, rompeu com a presidente em julho de 2008, ao votar contra o governo e abortar o projeto de lei que subia impostos ao agronegócio.
A Casa Rosada atribui a atitude insubmissa de Redrado a uma manobra de Cobos, aspirante à sucessão de Cristina. "Qualquer um pode se candidatar à Presidência, mas ele deveria primeiro aprender o papel de vice definido pela Constituição", disse Cristina.
Ela também atacou a UCR -no poder em 2001, com Fernando De La Rúa, quando o país atravessou a aguda crise econômica que levou ao calote de sua dívida. "Peço humildemente: se não souberam governar, deixem governar e parem de pôr pedras no caminho."
Cobos suspendeu férias no Chile e voltou ontem ao país. Ele marcou para segunda reunião com líderes do Senado, passo prévio à convocação de sessão extraordinária do Parlamento, para analisar o decreto de Cristina que institui o fundo com as reservas do BC -esse decreto também foi suspenso pela Justiça, até que o Congresso se pronuncie sobre a matéria. Cabe recurso.
Cobos rechaçou a acusação da Casa Rosada de conspirar contra o governo. "Colocar o Congresso em funcionamento não me parece uma atitude conspirativa. Estou agindo de boa-fé para destravar uma situação complicada e levar paz e tranquilidade [à sociedade]."


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